19 fevereiro 2010

Os Cegos do Castelo

fotos feitas por Eloir Torres Hass - 1997, acima o sofá da Iris, abaixo o Cegos do Castelo, chapa galvanizada com elementos metálicos e solda
Em 1997, eu compartilhava o atelier com a Iris. Ela era braba e enérgica. Controlava-me e proibia que eu deitasse no sofá dela. 
Eu a amava como atriz canastrona e a achava muito simpática no desempenho do seu personagem ranzinza.
Na minha metade do atelier ficavam os cavaletes, uma poltrona e algumas mesas de apoio. No lado dela o forno, suas estantes, mesa e um confortável sofá encapado de curvim floral. Eu e meus alunos estávamos proibidos de sentarmo-nos nele.
-Porque, Iris?
-Ah, é porque eu não gostaria mesmo!
O sofá era muito fofo e quentinho.
Quando ela não estava, entre um trabalho e uma aula eu deitava e ouvia música.
Não queria aceitar que o Arnaldo Antunes tivesse saído dos Titãs, virado lobo solitário, dava trabalho caçar CDS dele, e deles, e mais ainda: dissociar um dos outros. 
Eu já gostava de Engenheiros do Haway e Titãs. Havia passado muito tempo em silêncio. Agora todo mundo me apresentava músicas. 
O Celso me apresentou a Enya e a Lorena McKennit, a Maria Eliza me informava em Villa Lobos e Madredeus, e a Inge? Não, a Inge só dizia que eu não deveria abandonar o estudo da história da arte, nunca, nunca, nunca! 
Numa tarde, depois de ouvir Cegos do Castelo pulei do sofá e corri para a serralheria do Aldenor, cortei uns trecos, soldei uns tróços, fui até a IMASA - o senhor Bruno Fuks, o proprietário, me havia dado passe livre, catei umas bolinhas de ferro e retalhos de peças das colheitadeiras para anexar ao meu novo quadro. Mais uma correia de motocicleta e deu! 
O Aldenor, agora mais acostumado com a ideia de que tudo que eu fazia, batizava, andava cheio de inspiração, copiou: Vou chamar cada encomenda pelo nome do dono. Ó, esse portão aqui, o nome é Dr. Ibrahim. Fulano, busca o Mario Tim!
Sobre meu painel ele queria saber: E essa galinha... passarinho, como vais chamar? Respondi que galinha e passarinho não eram: Talvez...não sei! Mas pode chamar de Cegos do Castelo
Ainda tenho o Cegos do Castelo comigo, de vez em quando mudo a cor, quem o vê, acha o nome pesado, o tema...e a obra. Logo que o fiz esteve pendurado na frente da minha casa feito estandarte! Um dia, quando fui retirá-lo e percebi que estava bordado de furos e amassamentos, perguntei a um entendido, que sério, sentenciou: Estas perfurações, nesta chapa, foram feitas por calibre tal, este por calibre tal e estes, ah, isso é só chumbo!
Eu já não me deitava no sofá de ninguém, e a Iris continua jurando que encontrar minhas plumas no sofá dela nunca foi motivo para tanta raiva.
De qualquer forma, sempre achei o cúmulo da gentileza, decência e pacifismo, terem metralhado meu trabalho enquanto eu não estava por perto.

O texto acima é introdução ao convite que fiz aos amigos, para o 21 Salão de Artes de Pinheiros.A exposição aconteceu no Clube Paineiras, no Morumbi. 
Havia inscrito duas esculturas e duas telas para o concurso de 2008, sonhava expor pelo menos dois trabalhos. 
No ano anterior tive um selecionado para a exposição e fiquei encantada com o que vi da organização. 
Encantada desde a recepção até a cerimônia de abertura, onde só tratei com pessoas preparadas e gentis, especialmente entusiasmadas com seu trabalho. Passara o ano a sonhar com o próximo. Então em 2008, após análise do júri me ligaram, embora não tenha tido dois trabalhos selecionados como almejava, informaram que o meu trabalho em óleo sobre tela, que chamei de “Não Tenho Medo”, fora premiado com Medalha de Ouro. 
Passei o resto do tempo até a cerimônia a roer as unhas; medo que fosse sonho, engano ou sei lá...acho que mais pela consciência de que conquista assim, desafiava a mais. Uma amiga, a produtora Nadine Trzmielina, ao parabenizar-me, ironizou: 
-Uma anarquista, ganhando medalha de ouro num Salão tradicional como o de Pinheiros?
Induziu a crise: 
Anarquista, eu? Acho que eu sempre fui uma santa... Quase santa?
Nunca fui santa? 
Analiso, escarafuncho... a única certeza que resulta é a de que a gente nunca sabe exatamente quem é, só sei que seja qual for meu tipo de assanhamento, refestela-se lubricamente quando lembro da noite da Medalha de Ouro no 21 Salão de Pinheiros.

SOBRE A MODERNIDADE
...”Entenda-se aqui, por favor, a palavra artista num sentido muito restrito, e a expressão homem do mundo, num sentido muito amplo. Homem do mundo, isto é, homem do mundo inteiro, homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e legítimas de todos os seus costumes; artista, isto é, especialista, homem subordinado à sua palheta como o servo á sua gleba. G. não gosta de ser chamado de artista. Não teria ele alguma razão? Ele se interessa pelo mundo inteiro, quer saber, compreender, apreciar tudo o que acontece na superfície de nosso esferóide. O artista vive pouquíssimo – ou até não vive – no mundo moral e político. O que mora no bairro Bréda ignora o que se passa no faubourg Saint-Germain. Salvo exceções, a maioria dos artistas, deve-se convir, uns brutos muito hábeis, simples artesãos, inteligências provincianas, mentalidades de cidade pequena. Sua conversa, forçosamente limitada a um círculo muito restrito, torna-se rapidamente insuportável para o homem do mundo, para o cidadão espiritual do universo”. Charles Baudelaire
Clique no título da postagem para ver a bela animação, bela e forte, para Cegos do Castelo  – Titãs


Tela "Não tenho Medo"-Medalha de Ouro no 21 Salão de Artes de Pinheiros , em exposição permanente na Associação Comercial de Pinheiros

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