25 fevereiro 2010

Caipira Capiau Pau-a-Pique

Criei-me pelos potreiros do sítio brincando de pilotar os galhos mais altos das árvores, lanchando as pitangas e nêsperas que as donas aeromoças imaginárias serviam, dormia a siesta na sombra do bambuzal ninada pelo toc-toc das taquaras bailarinas que dançavam no embalo fresco do Minuano. Eram espanholas que tocavam castanholas enquanto eu sonhava que viajava pela Espanha Del Rey.
Os saraus familiares eram ao som do rádio. No interior do Rio Grande do Sul, no início dos anos setenta, poucos haviam se viciado em tv. E dê-lhe rádio Globo, Tonico e Tinoco, Teodoro e Sampaio, Moreno e Moreninho, Milionário e José Rico, enchendo o ouvido do Brasil caipira. 
A maioria encerrava a noite placidamente, após ter batido o pézinho ao compasso da música de raíz. 
Um dia hei de morar em Piracicaba, planejava eu - e vou sem pai nem mãe - quando eu for grande, vou viver perto das águas do Piracicaba...E solta no mundo também quero ver pessoalmente as orquestras dos Concertos para Juventude. 
No sítio, enquanto eu era pequena, bebia um copo de leite com canela e açúcar mascavo antes de dormir e ouvia Ritinha do Pé Avermeiado. Quando adulta, em 1984, conhecendo São Paulo, visitei a exposição Caipiras Capiaus: Pau-a-Pique, no SESC Pompéia. Achei interessante o reflexo do que eu já conhecia, e mais interessante a reflexão na introdução do catálogo da exposição, em que Lina Bo Bardi escreve:
Esta é uma exposição “piegas”.  Não é o “Pueblo Español” do Generalíssimo Franco, nem as “rendeiras Portuguesas” do Dr. Salazar, nem O “Strapaese” do P.N.F.(Partido Nazionale Facista), é apenas uma anotação sobre a aristocracia rural-popular brasileira, enxotada pelas monoculturas. Também não é saudade, a história não volta e não é “Mestra”.
É um adeus e, a um tempo, o convite à documentação histórica do Brasil.
É uma Exposição política, esta claro. É uma Exposição dedicada também ao público do consumo, obrigado a “perder” os objetos que, ao invés de serem jogados fora, deveriam acompanha-lo ao longo da vida. Num certo sentido, é uma Exposição de Arte, mas a arte não consola nem tira ninguém da fome, sede e privação. Afirmar o contrário, é querer compatibilizar a vida humana com a miséria, é imobilismo, e o pior nas sociedades humanas, é o imobilismo. O que precisa deixar bem claro é que ficar apenas na fase da identificação das artes de uma comunidade é uma forma de achar um tranqüilizante para os que não têm sono na hora da sesta; é um dar voltas literárias em torno dos “castelos”.Mas a Poesia, mais do que a Arte, pode servir às vezes de anti-imobilísmo, de isca. Para os “Caipiras – Capiaus – Pau-a Pique”, o problema é imediato e contingente: “ter que ir embora”, como na velha toada sertaneja:
...não é muito bom
deixar a terra da gente
ter que ir para muito longe
onde tudo é diferente...
Importante é construir uma outra realidade.
Em 2003, fascinada pelas imagens de canaviais e histórias do movimento dos Sem Terra, eu quis muito vir para São Paulo, e nesta caleidoscopia que é a vida, fui morar em Teodoro Sampaio, que assim se chama em homenagem a um colonizador paulistano. A foto que ilustra este texto é de um trabalho que terminei ontem, é um objeto, talvez uma fruteira, chamo-o de Os Pés da Ritinha, o fiz com material reaproveitado. 
Clique no título da postagem  para o vídeo tributo que a boa amiga Ivone Cioffi, a Morena da dupla Morena e Moreninho, faz ao seu pai, o Moreninho que faleceu no ano passado.

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