21 junho 2013

À Noite, Ele é Anjo

Eu banhei o bebê e afofei o tope de cetim azul marinho no macacão de marinheiro, abri-lhe o decote e apertei o talco que excedeu a roupa e perfumou o quarto. Sentado sobre a colcha floral me esperava com a paciência de seu um ano recém feito. 
E eu penteava o cabelo quando ouvi seu gritinho, lá fora. Parei e o mundo continuou rodando, a vizinha estava ali e carregava meu bebê no colo para dentro do carro que o atropelara na garagem, ao lado da casa. Ele deslizara silencioso da cama e saíra atrás do pai que fora tirar o carro da garagem, engatinhara até o para-choques traseiro após descer o único degrau que o separava do carro, que ao entrar em movimento de ré o fez girar, cair no trilho e ficar com o tórax debaixo da roda traseira. 
Onde se dera, havia a mancha com o sangue que saíra pela sua boquinha no momento do esmagamento. Eu fiquei tentando fazer o tempo voltar, com as palmas das mãos e a face coladas a parede enquanto a Marcia, a vizinha, fazia respiração boca a boca no meu bebê, sumia dentro do carro que arrancou rapidamente. Depois não há registros para mim até a estadia na UTI, costelas e clavículas fraturadas, respirando por aparelhos e sedado,  havendo a suspeita de o pulmão ter sido perfurado por uma das costelas. 
Os exames não eram concludentes e o prognóstico era temerário. Até a tarde em que foi removido para exames e o médico anunciou que no dia seguinte "tentariam" uma cirurgia. 
Muito arriscada, garantiam as enfermeiras.
Foi na passagem daquela noite, entre o sexto e o sétimo dia sem que o bebê a nada respondesse, entre 03:00 e 4:00h, que a enfermagem solicitou que eu deixasse o meu filho porque iriam trocar os equipamentos dele, neste momento saí para o corredor e me sentei no chão com as costas contra a parede abraçando meus joelhos, eu era um ovo, só, rolando naquele universo caótico que jamais percebera ser paralelo ao nosso, chorando a falta de forças, vi um par de sandálias franciscanas com pés morenos calçados nela, ergui a cabeça e a pessoa que encontrei me adoçou a alma, que já entrava em colapso pelo anúncio do iminente. 
Envolto eu um halo de ar mercurial o pequeno homem vestia pantalonas azul marinho bem desbotadas que lhe chegavam até as canelas, e a camisa era branca amarelada de tecido fino, muito simples. 
Falou comigo sobre meu bebê, disse que conhecia a história e viera para me dizer para me acalmar, que o meu filho estava bem, viveria uma longa vida, sua voz era de uma modulação suave, mas tinha a aspereza do roçar de folhas secas. 
Usava o cabelo partido bem separado, parecendo untado, de forma que lhe colava a cabeça. Sua pele era dourada e recitou um versículo enquanto me pôs a mão sobre a cabeça. Era de força mas com palavras que não posso repetir, baixei a cabeça contra os joelhos e chorei desafogada, querendo crer. Quando levantei-a novamente, nos corredores com luz noturna não havia ninguém, absolutamente ninguém. Ainda não podia retornar para junto do meu filho, então fui até o fim do corredor e abri a porta para a sacada, havia mais algumas pessoas, que iniciaram um burburinho enquanto eu fazia uma oração; uma grande estrela, como maior nunca vi, caia e produzia um lindo espetáculo do lado direito donde eu estava. 
Às nove da manhã do dia seguinte o médico mandou me chamar, levaram o bebê para exames antes da cirurgia e ele havia sarado durante a noite, as manchas que eles julgavam ser a perfuração desapareceram e o Tobito Kanavion já respirava sem aparelhos. 
Guardo comigo esta hora como a maior das bençãos. Encantada, perguntei ao médico como podia ser. Respondeu que não sabia, mas de vez em quando acontece. Às onze da manhã daquele dia o Tobito brincava sentado na cama de um quarto comum, somente sob observação.

Dezessete anos passados, tendo recém chegado em São Paulo tentava me instalar na nova casa, nova vida, outra voltagem, pedi auxílio ao vizinho, dono da banca de revistas que se tornou um bom amigo, e ele indicou um conterrâneo seu, chileno, para fazer a conversão dos aparelhos. Telefonei para profissional indicado e ele me impressionou muito bem pela voz e gentileza, mas foi quando chegou, que o Renaldo me impressionou mais. 
Com o estranho corte de cabelo e penteado bem repartido e lambido, sua voz de acalmar, modulada para acalmar corações, entrou pelo portão com sua valise de técnico sem saber que de madrugada é anjo.
Desde aquele dia, seis anos se passaram, e eu sempre o cerquei enquanto fazia algum conserto, e lhe perguntava muito, e ele respondia e eu o fazia falar e ele falava, falava, explicava com paciência e simpatia as coisas que eu nunca compreenderei sobre interruptores e circuitos e comandos, de vez em quando o via indo buscar as filhas que estudavam na mesma escola que meu filho caçula, sempre gentil e amável. 
Foi somente há alguns meses que arranjei coragem para contar-lhe o que aparentemente só eu sabia sobre ele. Estava de pé com maleta na mão pronto a ir embora depois de consertar a máquina de lavar roupas, já olhara os quadros que eu preparava para a exposição Rosacruz, fizera comentários pertinentes e eu tomei coragem. Ao ouvir minha narrativa, deu um passo para trás e encostou-se na cômoda segurando-se nas bordas. 
A roupa que eu descrevia, ele usara por muito tempo nas sua escola. Estudara com os franciscanos, no Chile, mas no Brasil conheceu o Kardexísmo  trabalhava com a mediunidade em um centro espírita onde se preparava para as missões e desdobramentos. 
Pedi-lhe, e aceitou, posará para um retrato para minha próxima exposição.


SALMO  PARA CURA DE DOENÇAS ( 29/30). 
Eu te exaltarei, Senhor/ pois tu  me reergueste e não deixaste que meus inimigos se divertissem à minha custa./ Senhor meu Deus, a ti clamei por socorro, e tu me curaste./ Senhor , tiraste-me da sepultura; prestes a descer à cova, devolveste-me à vida./ Cantem louvores ao Senhor, vocês, os seus fiéis; louvem o seu santo nome. / Pois a sua ira só dura um instante,   
mas o seu favor dura a vida inteira; o choro pode persistir uma noite, 
mas de manhã irrompe a alegria. / Quando  me senti seguro, disse: 
jamais serei abalado! / Senhor, com o teu favor, deste-me firmeza e estabilidade; 
mas quando escondeste a tua face, fiquei aterrorizado./ A ti, Senhor, clamei, 
ao Senhor pedi misericórdia: se eu morrer, se eu descer à cova, que vantagem haverá? / 
Acaso o pó te louvará? Proclamará a tua fidelidade?/ 
Ouve, Senhor, e tem misericórdia de mim; Senhor, sê tu o meu auxílio./ 
Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, 
para que o meu coração cante louvores a ti e não se cale.Senhor, 
meu Deus, eu te darei graças para sempre. 
Amém. 

“Senhor, tiraste-me da sepultura; prestes à descer à cova, devolveste-me a vida”.
Sepultura em hebráico é Sheol, pó ou morte. 

Novamente o salmista Davi utiliza conceitos de extraordinário poder, 
hoje utilizados pela Neurolinguística. Ele não está pedindo para Deus livra-lo da morte, 
simplesmente está afirmando que a vida lhe foi devolvida. 
Extraordinário. 
Texto e Salmos da página de Weber Malchener, site Somos Todos Um

Foto: Salão Internacional de Artes em Barueri, Marcelo, ou Tobito, (seu nome artístico como cosplayer e aderecista), ao lado de minha Pacha Mama. Em 2010.

11 junho 2013

Marte em Cores, O Faraó Alado e Frente a Frente



"-Há outros mundos como o nosso, incontáveis como as gotas de água de um rio. Tentar imaginar uma tal imensidão é tolice: pois quem tenta fitar os segredos do Sol fica cego e não consegue ver nem o que está sob sua mão.
...
Há muito, muito tempo atrás, os Deuses dos Deuses moram numa época muitíssimo mais avançada que a nossa, de modo que não podemos conceber a milésima parte de sua grandeza, mandaram chamar Ptah, o servo deles. Deram a ele uma bacia da Vida, que, embora ele a esvaziasse, sempre estaria cheia; disseram-lhe que ele deveria ensinar essa Vida a adquirir sabedoria, até que ela se tornasse a chama pura do espírito com toda experiência. Designaram-no chefe supremo da Terra, um local de areia inanimada e rochas sem vida.
Então o Ptah da Terra espalhou a Vida em todos os lugares; as montanhas começaram a sentir o sol que ressecava suas encostas, e os vales conheceram o frio intenso de uma noite invernal. E chegou o tempo em que essa Vida retornou a Ptah; e de sua bacia ele ouviu uma voz frágil que disse: 'Agora já conhecemos alguma coisa do calor e do frio. Vamos continuar'.
Então Ptah revestiu as montanhas de árvores e cobriu os vales com gramas e flores; neles ele derramou sua bacia. E a Vida aprendeu como as plantas entranham suas raízes no solo em busca de força para expandir suas flores ao sol; como algumas envolvem as rochas com seus galhos tenros, e outras lançam suas sombras à beira dos lagos. Mas tudo o que ganhavam, elas repartiram entre si, de modo que a folha de grama sabia como os fortes ventos agitam os ramos de uma árvore, e o cactos assustador compartilhava da gentil ternura do musgo.
Uma vez mais a vida foi preenchida pelo retorno da Vida. Agora ela já falava com voz mais forte; ele disse: 'Aprendemos nossas lições com as plantas; agora queremos corpos que possam movimentar-se para buscar nosso destino mais depressa'.
Ptah fez animais na Terra. Primeiro os mais simples, como os vermes e as lesmas; depois, os corpos das lebres, antílopes, leões, pássaros e peixes.
Novamente a Vida retornou e disse: Agora somos sábios; podemos cruzar em deserto à noite; encontrar água e abrigo para nós mesmos; andamos por toda a Terra e aprendemos uma grande diversidade de coisas. Torne nossos corpos dignos de nós mesmos.
Ptah respondeu: Enviei vocês em forma de rochas, plantas e animais. Vocês voltaram para mim compartilhando a memória e as experiências uns dos outros, como também a amizade do crescimento, a qual ainda têm como animais, embora almejem perdê-la. Agora darei a vocês corpos como o meu, e pela primeira vez dirão: - Eu sou - E ao dizer isso estarão dizendo:- Eu sou sozinho. - Não poderei mais conduzi-los em seus caminhos. Agora deverão iniciar uma longa jornada que não terá fim até que possam me encontrar, não como criador, mas como irmão.
A Vida disse: Nós requeremos essa oportunidade esse direito de caminhar até sermos seus irmãos.
Assim Ptah criou o homem.
O homem caminhou sobre a Terra, e alegrou-se com isso. Os vales gramados eram suaves sob seus pés; o olfato deliciava-se com a essência das flores, e o sabor das frutas era agradável ao paladar. quando fazia calor, ele descansava à sombra, e as gazelas vinham e se aninhavam em suas mãos; os leões passeavam com ele à margem dos riachos; e ele testava sua velocidade com as corças. 
Mas as palavras de Ptah continuavam ecoando em seu coração, dizendo: Eu sou; eu sou sozinho. Até que sua solidão o deixou com medo. Ele se afastou dos lugares tranquilos da Terra e correu desesperadamente em busca de um fim para sua solidão, e em sua angústia gritou para os deuses.
O grande Min o ouviu e desceu à Terra. Fez o homem adormecer, e enquanto ele dormia, disse: Você não andará mais solitário... Agora você é homem e mulher, e os dois prosseguirão sua jornada juntos. Aos dois darei o poder de com seus corpos fazerem outros corpos, os quais em seu retorno abrigarão a Vida de Ptah. E quando vierem seus filhos, cuidem deles, assim como o criador cuidou de vocês'.
De cada animal, fez também um par. E rapidamente fez tudo progredir, com crianças para alimentar, abrigar e proteger. Até as plantas compartilharam deste presente e entranharam suas raízes mais profundamente no solo em busca de água para amadurecer suas sementes.
Naqueles primeiros tempos, todas as coisas vivas conheciam seu parentesco, e numa noite fria uma pequena lebre podia se aquecer deitada junto a um poderoso leão, e os homens agradeciam às plantas e às árvores que os protegiam e lhes davam seus frutos.
Pois naqueles dias que se foram, quando a Terra era jovem, ninguém tinha esquecido seu criador."


Extraído do livro Faraó Alado, de Joan Grant, publicado pela editora Pensamento. 
A autora declarou que entre as regras de conduta que recebeu de seus pais quando criança, estava a de nunca fazer menção em público de suas vidas passadas. Em 1937 ela escreveu o fascinante romance mediúnico Faraó Alado, situado no antigo Egito durante a I Dinastia.

06 junho 2013

Era da Desfragmentação - Comentário sobre Sombras do Império

Se não estivesse tão perturbada por certas emergências, pensaria que a leitura do livro de JG Ballard, Sombras do Império, me balança. 
Seca, dura, profunda, terna. Escrita em um romance insuspeito, situado durante e logo após a II Guerra. Se eu não andasse tão amarrada pelos percalços,tão preocupada com os protestos, e, por outro lado com a apatia, sairia a caminhar no final da tarde e desconfiaria que o Paraíso pode ser onde estivermos, se soubermos chamá-lo. É, eu sei. 
E leio Sombras do Império nas últimas duas noites, entendendo em que contexto a Inglaterra recebeu seus cidadãos vindos da China após a estadia em campos de concentrações japoneses, especificamente o de Lunghua, concluindo que os governos e seus mecanismos continuam os mesmos; após um colapso nada está adequado ao estado de ânimo que só passando pela crise é que se define, estabelece. Portanto, como prever, prover as necessidades, se mais que do corpo, são as chagas da alma que mais atormentam os sobreviventes?
Saber que as sombras e ameaças nucleares se avolumam não significa estar consciente das consequências de um conflito hoje em dia, e quem bispa antes jamais pode, ainda assim, preparar-se  adequadamente para tal, nem que seja gaúcho, criado na cultura da necessidade de um bunker no quintal, "para se..." 
Talvez Franz Kafka ainda seja o maior retratista da organização humana, ele, que em em 1926, escreveu O Processo, livro de movimentação fortemente surreal. 
Costumo afirmar que nada que eu tenha lido define tão bem as estruturas burocráticas que nos apoiam, sustentam e mais que tudo, aterrorizam. Quem já leu O Processo costuma sorrir de cabeça ladeada e invariavelmente me perguntar porque. 
Responder não adianta. Já leu, sabe do que estamos brincando.
De viver durante as frestas que nos são concedidas. 
E se sempre foi assim minha inconformação advém do fato de nunca antes ter acompanhado um tempo de tamanha arrogância e tão abissal prepotência. Falácias!
 Hoje, se estivesse mais tranquila observaria o horizonte, consciente de que a casca do mundo, enrugado e áspero, ao entardecer tende a suavizar-se pela densidade atmosférica ou pela poluição, que serenamente, ao longe, dilui os contornos transformando tudo em litoral e mar longínquo. Talvez envenene pulmões, e não há antídoto, nada a fazer, só mutagenizar e retornar subindo as arestas, descendo pelas fendas, talvez, chegando do passeio que dei ou não dei, me ponha a organizar um conto, ou limpar os cantos e esperar os filhos. 
Com sorte, amanhã não despertar às 4:00h para finalizar Sombras do Império, que me desespera tanto. 
Sem tudo isso, em época mais propícia me poria a pensar nas meninas da família, em todas meninas. Nas mulheres, minhas irmãs, em tantos braços, abraços, sonhos e senhas de lágrimas, de dentes, sem dentes, formatos múltiplos para ansiedades básicas idênticas: acolhimento, amor e respeito. 
Sorte de quem tem - grupo, não! - sorte de ter fora do grupo também. 
Eu penso na Bárbara, eu penso na Brenda, na Manuela, nas filhas dela, tuas netas, nas meninas que vejo nos parques acompanhadas por suas mães, com sorte. 
Em certo momento, J G Ballardd escreve o que nunca vi escrito, é sobre a falta de sorte. Depois de crescido, o personagem principal reencontra a antiga babá, amargurado pensa que "ser criado por empregados, supostamente um privilégio de rico, na verdade expunha a criança à mais impiedosa manipulação, e eu não tinha mais vontade de ser manipulado novamente, fosse por medo, fome ou sexo".
Mas foi, e será, pois todos têm interesses, cabe a ele escolher os que deseja alimentar, intercambiar, coube a ele escolher o que mais lhe interessou, e parece tão correto e revitalizante o que determina, traz o sol ao romance e brinca com os meninos por entre embalagens gigantes de produtos cenográficos nos jardins dos estúdios da pequena cidade de Shepperton, então ele amadurece, entendendo que a sorte está nas frestas, nos momentos, como ao acompanhar o nascimento de sua terceira filha:
"Os cabelos negros estavam úmidos e bem partidos, como se uma natureza cuidadosa houvesse arrumado a criança para a sua primeira aparição no mundo. O rosto inteiro havia saído, uma testa alta, miniatura de um nariz e de uma boca, e os olhos fechados, como que apertados pelo tempo, pelas eras infinitas que haviam precedido aquela criança no reino animal.
Despertando para o sonho profundo da vida, ela não parecia jovem, mas infinitamente velha, trazendo milhões de anos na regularidade faraônica das faces, das velhas pálpebras e narinas. Seus lábios estavam serenos, como se ela houvesse suportado com paciência a imensa jornada através do universo até aquela casa modesta, onde a mãe a aguardava.
De repente ela se tornou jovem outra vez. Num jorro final de fluídos, um bichinho rosado e sem pelos estava aninhado nos braços da parteira Bell.
...
Olhei para o neném. Ela mudara mais uma vez, estava mais rosada e mais viva. Mesmo dormindo movimentava os lábios, como se tentasse lembrar uma mensagem que lhe fora confiada pelas invisíveis potestades da crianção. No espaço de poucas horas vivera vários papéis: antes mensageira de eras arcaicas, ela se tornara um fugidio espírito aquático batizado no líquido amniótico da mãe, para se tornar, enfim, a criancinha sonhadora cuja pele se crispava ao contato com a luz e o ar."


O império do Sol de J G Ballard foi publicado no Brasil pela Editora Record em 1991

Foto: Cetro/chave do anime Sakura Card Captors, realizado sob encomenda pelo cosplayer e aderecista Tobito Kanavion. 
O objeto tem o tamanho de uma moeda de dez centavos e está ligado a várias frases de efeito no anime.
O personagem Kero, diz ao entregar o báculo a Sakura:
"Ó chave do lacre! Tem alguém aqui disposto a receber a missão. É uma menina, seu nome é Sakura. Ofereça seus poderes a esta jovem. Liberte-se!"





02 junho 2013

Cigarro

Ela era uma moça de pernas finas e magricela quando eu nasci. Adorando meu pai - é o que lembro - respeitando e sendo adorada e respeitada. Nunca uma briga, nunca uma ofensa de nenhum lado. Duas pessoas diferentes que se uniram em uma identidade só. 
Respeito, é o que vi, crescendo. 
Me estimulou a questionar analisando. 
Amargura nunca houve neste ser. 
Engolir talvez seja sua falha. Os desgostos são seus. 
Pela simbiose meu pai saca, vai lá e reajusta a máquina, é o que faz para ampará-la em sua fraqueza - a de engolir. 
Quando eu tinha doze anos o meu velho avô, pai de meu pai, veio, muito doente, morar conosco. 
O pai do meu pai; caudilho, velho galo fino de esporas calejadas e mortais. Um homem do seu tempo, criado nas valentias, que respondeu à vida afinando a resposta agressiva. Sendo assim, meu pai desde muito cedo viu de tudo. O suicídio de uma irmã, que por não suportar os maus tratos resolveu desistir, a morte de minha avó, o desamparo dos irmãos e o crescimento a "Deus dará", que puxou-lhe a fibra e fez com cedo se tornasse aguerrido e determinado, porque meu pai quando se determina ninguém segura nem demove, e meu pai recebeu este pai velho e doente em casa, por circunstâncias fatais, veio o caudilho convalescer em nossa casa. 
Minha mãe, feliz por ter uma família maior, orgulhosa do sogro guerreiro, foi toda atenção, as modificações foram feitas para adaptar a família e a casa ao novo membro. Daqueles dias, hoje só posso lembrar juntando o comentário da Fernanda Lima, que diz que não porque uma pessoa fica velha é que muda de caráter. Pois o vovô, ocupando o quatro do meu irmão (meu irmão passou a dormir na sala) esperava meu pai sair para o trabalho para mostrar o mau gênio, eu ia para a escola e não via o que acontecia pela manhã, mas as tardes eram um circo monstruoso. Tão debilitado que não saia da cama, não aceitava a vasilha destinada a cuspir o produto das tosses que o enfisema pulmonar em estado adiantado ocasionava. E minha mãe é quem limpava, limpava tudo, na época em que minha irmã, Luciana, de recém havia nascido. Ela caprichava nas refeições para acalmá-lo, se esmerava na organização do quarto e ele gritava durantes as tardes tudo o que de mais feio um ser pode dizer a outro. 
Da boca de meu avô foi a única vez que ouvi palavrões berrados contra alguém na minha casa. E acontece que era contra minha mãe, que atordoada e humilhada não reagia. 
E como reagir é um bom enigma que me proponho quando lembro o que o cigarro pode fazer. Eu me encolhia no meu quarto com medo da terrível sombra de do que tomou nossa casa. Algumas vezes entrei no quarto pensando acalmá-lo ou para levar água e ele me expulsava com desprezo que me doía muito: não sabia nem o meu nome. 
Estávamos reféns, meu irmão, eu, o bebê e minha mãe. Durante a noite só havia os ataques de tosse e vômitos, meu pai acudia, mas nunca ele alterou a voz com meu pai, ciente que estava de que podia se esbaldar no mau gênio somente conosco, não por que meu pai precisasse se impor, apenas porque meu avô tinha a covardia dos machistas espancadores de mulheres e crianças, mas que não se atrevem com que pode com eles. 
E assim foi que minha mãe fugiu com Luciana no colo para a casa da vizinha Dalben numa tarde em que a chuvarada de palavrões se tornou discurso: "Ia falar com Basílio para expulsar de casa aquela mulherzinha! Vagabunda!" 
Quando meu pai chegou do trabalho a vizinha veio e conversaram em voz baixa, meu pai saiu e retornou tarde da noite. Fora conversar com a irmã e levaram o vovô para casa dela. 
Essa memória é uma cicatriz de relevo. Parece que nunca mais recuperamos a alegria amena que havia antes. É certamente porque praticamos a arte do "e se ". E se tivéssemos tentado doutra forma? Então se cogita, se escarafuncha nas possibilidades. 
Quanto a mim, a única certeza é de que os pelos se arrepiam e ainda posso ouvir os gritos. A mãe parece que esqueceu, quando falamos na história familiar ela conta das batalhas, da batalha da ponte que "teu avô contava que o pai dele participou". É estranho vê-la falar sem rancor algum e invariavelmente pergunto em que ocasião conversaram, ela e meu avô, ela responde que antes. Quando ele estava são. Nunca acredito, ela sempre repete: -Ele nunca foi santo, mas tinha umas conversas boas de se ouvir quando eu o conheci. 
Meu avô faleceu uns quinze dias depois que foi para casa de minha tia. Meu pai sofreu, minha mãe ficou triste e eu e meu irmão, calamos. Eu nunca ouvi minha mãe falar mal de alguém, e oro por ela todos os dias, talvez meio Seicho No Ie, talvez tenha aprendido lá, mas eu digo:"Obrigada mãe, eu amo você", aqui, em São Paulo a miles de quilômetros, e ela sempre diz que passou a sofrer do coração depois que me mudei "para tão longe". Eu penso que é porque ela tem o costume de engolir, mas aceito a culpa como uma declaração de amor maternal. O fato é que a minha gratidão é maior por ela ser afável, por não ser ressentida, nem amarga. Já pensou, se criar de mãe amargurada? 
Ela, a Hilda, se critica alguém é a título de notícia, ou seja, frisando o caráter de impermanência no estado de engano. Levanta logo os prós da personalidade do criticado, pesa, avalia e finaliza suavizando a fala com alguma tirada bem humorada. Geralmente repete um mote que o Marcelinho desenvolveu aos 5 anos: 
-Vamos mudar de assunto? Vamos falar de flores?

Comentário em 03/06/13:
Lindíssimo, Giane! 

Um casal mais que especial: A base dessa família de artistas de tanta sensibilidade. 
Parabéns e vida longa aos dois! bj,
Regina T. 

01 junho 2013

Espíritas - Revista Veja - Reportagem na Íntegra

A top model Raica Oliveira, de 22 anos, foi criada na religião espírita. Nascida em Niterói, mora hoje a maior parte do tempo do ano em Nova York por conta dos compromissos profissionais. Quando está nos Estados Unidos, Raica vai ao centro Casa São José na cidade vizinha de New Jersey, frequentado por brasileiros como Divaldo Pereira Franco e Raul Teixeira - considerados médiuns pelos adeptos da doutrina. 
 Raica, Raul e Divaldo são, segundo uma reportagem publicada recentemente no jornal americano The New York Times, as faces visíveis de um novo fenômeno: a abertura de centros espíritas nos Estados Unidos dirigidos por brasileiros, frequentados pela comunidade latina e também por americanos. O Brasil não é apenas o maior país católico do mundo. É também a nação com maior número de espíritas, cerca de 20 milhões de pessoas, segundo os números oficiais. E, agora, tornou-se também o principal pólo difusor da religião fundada e sistematizada pelo francês Allan Kardec.
Os Espíritas têm renda familiar150% superior à média nacional
Quais as características desse Espiritismo que o Brasil professa e exporta ? Pode-se dizer que o rosto de Raica, uma das mulheres mais bonitas do país, é a face-símbolo de uma nova fase na religião. Esqueça os copos que se movimentam  sozinhos sobre a mesa branca, as operações com canivete e sem anestesia do médium Zé Arigó e as sessões de exorcismo coletivo transmitidas pelo rádio. Isso tudo ainda existe, mas o crescimento e a exportação da doutrina se devem principalmente a seu lado menos místico e mais racional.
 Esse "novo Espiritismo" preserva os pilares básicos da religião: a imortalidade do Espírito, sua reencarnação e evolução, além da possibilidade de comunicação entre vivos e mortos, mas se baseia muito mais em leituras e na introspecção que em rituais ou sessões que invocam supostas forças do além. São incentivadas também as duas práticas mais fortes da doutrina: a caridade e a tolerância religiosa. 
O Espiritismo vem crescendo no Brasil, principalmente entre jovens de classe média. No site de relacionamentos Orkut, já existem 366 comunidades sobre "espiritismo" e outras 808 quando se busca a palavra-chave "espírita". A maior delas se chama simplesmente Espiritismo. Tem 183.546 membros. Lá as discussões variam desde assuntos simples, como o lançamento de um livro, até questões teóricas mais elaboradas, como a relação entre espíritos e a Física Quântica. Curiosamente, a palavra “catolicismo” registra apenas 34 comunidades, e “católico 421.
 77% dos espíritas têm entre oito e 15 anos de estudo, em médiadez anos a maisque os católicos
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística calcula que a doutrina espírita tem 20 milhões de adeptos no Brasil, afora os que professam o Espiritismo como segunda religião. A doutrina cresceu 40% entre os últimos dois censos. Os dados do IBGE mostram que esse crescimento se deu principalmente nos estratos mais ricos e escolarizados da população. A Renda dos Espíritas é 150% superior à média nacional, e 52% deles ganha acima de 5 salários mínimos. Entre os espíritas, 77% têm entre oito e 15 anos de escolaridade, dez anos em média a mais que os católicos.
 Além de Raica de Oliveira, outras celebridades vêm aderindo ao Espiritismo, embora poucas alardeiem professar a crença. Boa parte prefere tratar o assunto como algo privado. É o caso da atriz Cleo Pires, que herdou a fé do seu pai, o cantor Fábio Júnior, e dos avós maternos.
 O tenista Gustavo Kuerten se submeteu a um tratamento espírita, levado por seu fisioterapeuta, Nilton Petrone – o mesmo de Xuxa e Romário.
Sofrendo de dores nos quadris que o derrubaram do primeiro para o 452º lugar no ranking do esporte, Guga, aos 29 anos, recorreu a um tratamento espiritual no Lar do Frei Luiz, centro espírita da zona oeste do Rio. "Foi minha primeira experiência com o Espiritismo. Estou mais calmo e equilibrado.", disse Guga à Época. Tecnicamente, o tratamento, ocorrido no dia 10 de junho, não foi uma cirurgia, pois não houve cortes. Guga seguiu o procedimento-padrão do centro. Primeiro, ficou mais de uma hora na sala de orações, com mais de 50 pessoas. Depois, foi com um pequeno grupo para uma sala escura. "O tratamento espiritual não substitui a fisioterapia, apenas a complementa", diz Nilton Petrone
 O novo Espiritismo que atrai gente como Raika ou Guga engendrou algo que se pode chamar de "Cultura Espírita". 
É natural, numa religião em que a leitura prevalece cada vez mais sobre o virtual, que a faceta mais visível dessa cultura sejam os livros. Vários deles atingiram a lista dos best-sellers. Sozinho, o mineiro Chico Xavier, morto em julho de 2002 e considerado o maior dos médiuns pelos adeptos da religião, vendeu (e ainda vende) 25 milhões de exemplares de seus mais de 400 livros, todos supostamente psicografados. Zibia Gasparetto, de 78 anos, já vendeu 5 milhões de exemplares de obras que afirma ter psicografado. Há dez anos não sai da lista dos dez bet-sellers nacionais. Outro sucesso nas livrarias foi a coletânea de entrevistas Encontro com Médiuns Notáveis, escrita pelo músico e pesquisador Waldemar Falcão. O jornalista Marcel Souto Maior chegou à casa dos 300 mil exemplares nos últimos dez anos, desde que lançou a biografia As Vidas de Chico Xavier. O livro vai servir de base para um filme, com direção de Daniel Filho e lançamento previsto para o ano que vem.
 A principal característica da cultura espírita é que ela ultrapassa os adeptos da doutrina e até aqueles que têm o Espiritismo como segunda religião. Para além dos livros que fazem sucesso com os leitores de todas as crenças, os programas de televisão que tratam do assunto sempre conseguem uma larga audiência. Transmitida até o início deste ano, a novela Alma Gêmea, da TV Globo, teve o melhor Ibope do horário das 6 na última década, impulsionada por uma história de reencarnação. Quando o folhetim foi ao ar, a Globo fez uma pesquisa qualitativa para saber a aceitação do tema entre os espectadores. Mesmo os que não eram espíritas aprovaram enfaticamente a trama e os personagens. Quando terminar sinhá moça, que está no ar com resultados inferiores aos de Alma Gêmea, entrará no ar O Profeta. Nova versão da novela de Ivani Ribeiro dos anos 70, na Tupi. a trama gira em torno de espiritismo e mediunidade. Na nova versão de O Profeta, o protagonista será interpretado pelo ator Thiago Fragoso. "O telespectador gosta de assuntos que o levem a pensar sobre o que somos, para onde iremos", diz Walcyr Carrasco, autor de Alma Gêmea e supervisor da adaptação de O Profeta.
 FÉ HERDADA
A atriz Cleo Pires chegou ao Espiritismo por influência do pai, Fábio Junior, e dos avós maternos
 O diretor-geral do programa Linha Direta, da TV Globo, Milton Ubirached, diz que se assustou com a repercussão dos episódios que tocaram no tema do Espiritismo. "No ano passado, a história sobre cartas psicografadas de 13 mortos do Edifício Joelma (Prédio Paulista que pegou fogo em 1974 e deixou 189 mortos) deu 30 pontos de audiência à meia-noite", afirma. Em julho, de olho na curiosidade do público, esse episódios serão reunidos em DVD. Outro programa da série que conseguiu boa audiência relatando um caso curioso. No fim de maio, no município gaúcho de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, uma carta supostamente ditada por um morto ajudou na absolvição da ré Iara Barcelos, de 63 anos, acusada de ser mandante de um crime. O juri ficou sensibilizado pela mensagem, que seria da vítima, o tabelião Ercy da Silva Cardoso. Na carta Ercy afirmava a inocência de Yara.
 A Cultura Espírita já chegou aos Estados Unidos. Filmes arrasa-quarteirão como Ghost, de 1990, já mostravam o apelo de temas como a comunicação entre vivos e mortos. Agora, começa a fazer sucesso na televisão americana a série Médium. Nela, uma mulher psicografa mensagens que ajudam a desvendar crimes. A protagonista da série é baseada em uma personagem real, a americana Allison Dubois, cujo livro Não é preciso dizer adeus, acaba de ser lançado no Brasil. Citado na reportagem de The New York Times, o espírita Divaldo Pereira Franco, de 79 anos, acredita no crescimento da doutrina nos Estados Unidos, onde começou a fazer palestras em 1962. "Em minha última palestra, em Baltimore, 70% da platéia era de americanos", diz Franco. Em Nova York foram criados dez centros espíritas na últtima década. Em New Jersey, mais seis.
 O que explica a adesão crescente da classe média ao Espiritismo? Quem responde é o sociólogo Flávio Pierucci, na Universidade de São Paulo. autor de A Realidade Social das Religiões no Brasil: "O Espiritismo é uma religião confortável. Ela suaviza o drama da morte e dá respostas lógicas ao que acontece de bom ou de ruim. Sem falar que podemos levar créditos ou débitos para outras vidas”.
Piericci considera que há três razões pelas quais "o novo Espiritismo" atrai tantos adeptos entre a classe média:
A Doutrina Espírita se baseia num conjunto de idéias muito bem sistematizado e, portanto, passível de aceitação nacional.
Ela é flexível e acolhe gente de todas as religiões.
A forma original da religião fundada por Kardec de lidar com a questão da morte.
Para entender cada um desses motivos, é preciso fazer um breve histórico da religião espírita. 
As idéias que alicerçam o Espiritismo foram sistematizadas pelo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, nascido em Lyon em 1804. Ele passaria para a história sob o pseudônimo de Allan Kardec - que seria o nome de um druida, supostamente sua encarnação anterior-. Nascido em uma família de magistrados católicos, ele decidiu seguir também o caminho da educação e sempre lutou pela democratização do ensino público na França. Em 1854, kardec se interessou pelo fenômeno então conhecido como "mesa giratória". Nos salões elegantes, após os saraus, gente da alta sociedade costumava se sentar em torno dessas mesas para, segundo acreditavam, dialogar com os espíritos. Utilizando recursos supostamente mediúnicos dos presentes, as entidades desencarnadas se manifestariam. Segundo os historiadores, o fenômeno foi a coqueluche da sociedade francesa de 1853 a 1855. Os eventos das mesas giratórias ganharam dezenas de reportagens dos jornais europeus. 
Kardec mergulhou nesse universo por três anos, até estruturar uma doutrina que, segundo ele, unia os conhecimentos científico, filosófico e religioso. Ele escreveu sua obra básica, O Livro dos Espíritos, em 1857. O livro é resultado dos diálogos que Kardec afirma ter estabelecido com os espíritos desencarnados nas diversas reuniões mediúnicas de que participou. Kardec não dizia ser médium. Afirmava valer-se de um método científico para conferir a veracidade dos diálogos. Dizia ouvir a voz de diferentes espíritos por meio de diferentes médiuns para cotejar as versões. A obra se estutura em 1.019 tópicos, no estilo pergunta e resposta. O Livro dos Espíritos serviu de base para mais quatro obras de Kardec: O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese. Como há outras religiões espiritualistas - que creêm na vida além da matéria -, criou-se a expressão "Kardecismo" para diferenciar  a doutrina de Kardec das outras. O termo, porém, é considerado errôneo pela Federação Espírita Brasileira (FEB). Chamar o espiritismo de kardecismo é considerado uma redundância. Kardec morreu em 1869, aos 64 anos, e seus livros estão para o Espiritismo como o Novo Testamento para os cristãos, a Torá para os judeus e o Alcorão para os mulçumanos.
Quando Kardec codificou sua doutrina, deu-lhe um revestimento científico. É essa roupagem racional o primeiro motivo para o sucesso do Espiritismo no mundo moderno. 
"Razão e fé não estão em polos opostos. Cremos em algo lógico, não místico", diz o presidente da Federação Espírita Brasileira, Nelson Masotti
"Seria difícil seguir uma religião que não estimula a discussão e o conhecimento", diz o engenheiro carioca Ricardo Danziger, de 47 anos, filho de mãe católica, e pai judeu. Toda a sua família - a mulher, Ana Cristina, e os filhos adolescentes, Ricardo e Júlia - professa a religião espírita e frequentam o mesmo centro, o Lar Teresa, no bairro carioca de Copacabana.
 Ao contrário do que se possa imaginar, quem entra num centro espírita não vai encontrar médiuns se contorcendo ou sessões de exorcismo coletivo. Centros espíritas são, mais que tudo, espaços de leitura, discussão e prece. Nas reuniões dos espíritas, normalmente há primeiro uma leitura de um dos livros de Kardec. Depois uma palestra em que o participante do centro apresenta suas interpretações sobre algum ponto da doutrina. Por fim, há o passe, momento em que o médium (não necessariamente incorporado) diz trocar energia com os presentes. Ao fundo, oração coletiva e, em muitos casos, luz mais fraca.
 TOLERÂNCIA
Raul Teixeira é considerado pelos espíritas um dos maiores médiuns brasileiros.
"Quem se degladia com outras religiões mostra falta de maturidade na fé. Quem não crê o suficiente tenta convencer os outros para convencer a si próprio", diz.
 A segunda razão para o crescimento do Espiritismo é a flexibilidade da doutrina. Avessos a fundamentalismos, hierarquias, sacerdotes, altares e ídolos, os espíritas acolhem pessoas de todas as religiões. Não há exigências na atitude, no vestuário ou cobrança financeira. Adeptos de outras religiões costumam se envolver com o Espiritismo sem necessariamente  abandonar as crenças originais. "Somos avessos ao fundamentalismo. Dai ser tão importante o estudo e a leitura", afirma o carioca Raul Teixeira, considerado pela Federação Espírita Brasileira um dos maiores médiuns do país. 
Uma pesquisa realizada pela Federação Espírita Brasileira em São Paulo e no Rio Grande do Sul mostra que apenas um em cada quatro frequentadores de centros se considera oficialmente espírita. "Não temos dogmas, santos, hierarquia. Há respeito por todas as crenças", diz o economista carioca André Menezes Cortes, de 36 anos. nascido em uma família católica, hoje ele é adepto da doutrina de Kardec.
 A terceira e principal razão para que o Espiritismo tenha tantos adeptos é a maneira como a religião fundada por Kardec lida com a questão da morte. Para os espíritas, ela não é o fim de tudo. É possível ter outras vidas e nelas resolver assuntos pendentes de encarnações passadas. É algo semelhante ao que os budistas costumam chamar de carma, uma espécie de "preço" para nas diversas vidas rumo à evolução espiritual. Para outros cristãos, a vida é uma chance única: resolva tudo agora e salvará sua alma - ou arderá no inferno. O Budismo e o induísmo admitem a reencarnação. Só o Espiritismo, no entanto, diz possibilitar a comunicação entre "encarnados" e "desencarnados". Segundo os espíritas, é possível trocar mensagens orais ou escritas por meio dos médiuns - pessoas que funcionam como antenas entre os dois mundos.
 CONVERSÃO
O economista carioca André Menezes Cortes, de 36 anos, nasceu numa família católica. Hoje se diz espírita. "Não temos dogmas, santos, hierarquia, e há respeito por todas as crenças", afirma.
 Chico Xavier foi o maior deles. Escreveu mais de 400 livros. Mulato pobre, nascido em Pedro Leopoldo, no interior de Minas Gerais, Chico foi perseguido e investigado desde os anos 30, quando sua fama se alastrou pelo país. Nessa época, ele dizia psicografar textos de escritores e poetas mortos, que guardavam, para espanto geral, incrível semelhança com o estilo original. nas décadas que se seguiram, Chico se tornou referência no mundo do Espiritismo. Isso resultou em verdadeiras romarias a sua casa, em Uberaba, em Minas, para onde se mudou em 1959 e onde morou até morrer, aos 92 anos, em 2002.
 As obras de Chico Xavier trouxeram imenso consolo ao taxista carioca Gilberto da Silva Netto, de 65 anos. Há algumas semanas, as noites de Gilberto tem sido dedicadas à leitura de Jovens no Além, escrito por Chico Xavier em 1975. O livro traz mensagens supostamente psicografadas por pessoas que perderam a vida cedo, em circunstâncias trágicas. Gilberto é pai de Rodrigo, o Nettinho, guitarrista da banda Detonautas, assassinado num assalto no início de junho no Rio. Católico de formação. Gilberto se define como cético sobre qualquer religião. Mas diz ter se aproximado do espiritismo em busca de respostas.
 O MITO
 Chico Xavier é uma referência para os espíritas do mundo inteiro. Sua imensa popularidade é uma das razões do crescimento do espiritismo no Brasil.
 "Quero acreditar que meu filho está bem, em algum lugar", diz o taxista. Ele também perdeu a mãe de seus filhos, de câncer, há mais de 20 anos. Sua atual mulher, a professora Eliane Perez, que criou Rodrigo desde os 9 anos, é espírita desde jovem e procura acalmar a família depois da tragédia. "Tenho explicado a todos que nada é por acaso. E que algum dia vamos todos nos reencontrar, de alguma maneira", afirma Eliane.
A presença do Espiritismo na cultura brasileira vem de longe. Pode-se dizer que dois conjuntos de idéias originalmente francesas - o Espiritismo e o positivismo, de onde herdamos o lema "Ordem e Progresso" - encontraram solo fértil no Brasil francólico da virada do século XIX para o XX. Nessa época, o jornalista João do Rio - um adepto do estilo de jornalismo literário que nos anos 60 viria a ser chamado de "new jornalism" pela geração de Tom Wolf e Gay Talese - registrou o frisson em torno do Espiritismo em seu livro As Religiões do Rio. "Nas rodas mais elegantes, entre os sportsmen inteligentes, lavra o desespero das comunicações espíritas, como em Paris o automobilismo", escreveu João do Rio em um livro em 1904 que acaba de ser relançado no Brasil.
 A doutrina de Kardec chegou ao Brasil logo depois de ter sido divulgada no Livro dos Espíritos, por meio de um grupo de franceses que moravam no Rio, então capital do Império. Foi rapidamente absorvida por uma elite. Com o tempo, começaram as primeiras repercussões de supostos eventos mediúnicos e tratamentos espirituais. A partir de 1890, um movimento liderado por médicos, apoiados por juristas, resultou em perseguição ao Espiritismo. "De certa forma, naquele momento a doutrina concorria com a medicina", diz a antropóloga Sandra Stohl, autora do livro Espiritismo à Brasileira, baseado em sua tese na Universidade de São Paulo.
 Foi o médico Adolfo Bezerra de Menezes, na primeira metade do século XX, quem deslocou o foco da doutrina da ciência para a caridade. Essa ênfase se tornou uma característica marcante do espiritismo brasileiro. Estima-se que meio milhão de pessoas no país recebam ajuda de alguma entidade espírita. A própria Federação Espírita Brasileira iniciou um trabalho social em 1884, ano de sua fundação. Hoje ela dá assistência a aproximadamente mil famílias, além de manter uma creche para 800 crianças na cidade de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás.
 As Casas André Luiz, de São Paulo, atendem pacientes com problemas de saúde mental - 630 em regime de alojamento e 800 em regime ambulatorial -. A assistência se estende à família do doente, já que quase todos os pacientes são muito pobres. Divaldo Pereira Franco, aquele que também atua nos Estados Unidos, mantém em Salvador a Mansão do Caminho. Desde 1947, a entidade já prestou atendimento médico e odontológico a mais de 30 mil pessoas. Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, em que muitas vezes a caridade é deixada em segundo plano. A época atual é também de recrudescimento de fundamentalismos que sufocam a liberdade religiosa. Num tempo assim, a acolhida cada vez maior  da mensagem espírita, fundamentada na tolerância e solidariedade, é um fato a comemorar.
 RACIONALIDADE
"Seria difícil seguir uma religião que não estimula a discussão e o conhecimento", diz o engenheiro carioca Ricardo Danziger, de 47 anos. Sua mulher, Ana, e os filhos, Ricardo e Júlia, também são espíritas.

" Preocupe-se mais com seu caráter,  do  que com sua reputação,  porque caráter é o  que  você realmente é, enquanto que reputação é apenas o que os outros pensam (ou dizem) que voce é". J. Wooden

 "A compreensão pede realidade,tanto quanto a realidade pede compreensão.Sejamos, pois, verdadeiros, mas sejamos bons."
Emmanuel

"ENTRE O ESTÍMULO QUE RECEBEMOS E A REAÇÃO QUE TEREMOS HÁ SEMPRE A ESCOLHA."
VICTOR FRANKLIN

"Muito interessante a matéria, é um alento ver como a Doutrina Espirita tem crescido e esta sendo cada vez mais respeitada. A religião assume uma face moderna e cresce entre os jovens de classe média. Maior país espírita do mundo, o Brasil já exporta a Doutrina para os Estados Unidos."
Martha Mendonça

Acabei de receber a reportagem na íntegra de uma amiga, o conteúdo é sensato e esclarecedor para quem deseja conhecer um pouco deste universo, multi-universo. Como não vieram as fotos da reportagem, tomei a liberdade de ilustrar com minha escultura Ísis e Osíris, fiz em calcita, no ano de 2009. 

Buscar Jorge

Óleo sobre tela, foto de uma foto,  esta pintura é a mesma tela que aparece embaixo,  eu mudava traços, tentava ajustar a imagem para ficar como no sonho como o fotógrafo gira a lente, e todo barbudo que aparecia podia ser modelo, mas nunca era, era angustiante.
Conheci um homem em um sonho quando eu tinha quatro anos, via ele era adulto, e eu uma mulher. Pesquisávamos.
Foi um sonho recorrente muito intenso. Minha avó me acalmava. Era muito difícil e desesperador acordar sem saber onde estava, 
pois estava mais no sonho que ali. 
Eu via minha morte, via um papel que se queimava diante de meus olhos. 
Tinha um nome que não sabia ler, mas lembro até hoje do desenho das letras no papel pardo e da minha consciência dizendo: "Buscar Jorge". 
A Adolescência veio e o sonho sumiu, minha avó morreu, mas seus conselhos ficaram: 
"Ha coisas que não adianta compartilhar com quem não entende." 
E sempre fui dada a sonhos que se realizavam, sorria, eram pequenas coisas, sorria. 
Eu lembro de tudo! 
Sentia-me sozinha, mas abençoada pela "janela". 
Em momentos de crise era amparada por seres que apareciam e logo depois desapareciam para sempre. 
Através da minha experiência entendi que não temos um anjo pessoal, mas atraímos o que mais se afina com nossa vibração do momento em que pedimos ajuda. 
O meu sonho recorrente da infância, o do Buscar Jorge, mostrava um barbudo. 
Eu logo tive vizinhos, colegas, e depois um chefe chamado Jorge, mas nenhum tinha barba, e nenhum era o Jorge e isso não me preocupava de maneira alguma. 
Um sonho pode ser apenas uma brincadeira da mente. 
Nasci no RS, o primeiro livro que tive em mãos foi o da Coruja Clarinda. Eu devia ter cinco anos e o livro havia ficado numa casa onde fomos morar. 
E eu já sonhava com a equipe de pesquisadores, já sonhava com meus dedos decifrando fios que continham códigos, anotações, preocupações, ansiedades da profissão e felicidades das realizações. Estas viagens eu fazia morando na leitaria, sem TV, sem jornal nem revistas. Mais tarde, crescendo noutro sítio em uma época em que meus pais pouco tinham tempo para prosas, muito menos poéticas. Lembranças do passado?: loucura! 
Enquanto construía minhas maquetes e brinquedos, pensava que se era loucura, o melhor era esconder, já que não queria de maneira nenhuma ser tratada como os excluídos surtados que tinham apelidos exóticos. Não seria uma! 
Observação, sintetização e determinação. 
Até os trinta anos foi assim. 
Até ser apresentada ao kardexismo. Que foi como matar a sede de trinta anos, em que eu sabia que a água existia, via que existia, mas não conseguia chegar nela. 
O forte preconceito reinante, que juntava no mesmo saco tudo o que não fosse tradicionalmente aceito, me impediu de ter acesso a teoria das vidas passadas. 
Quando comecei a ler sobre o assunto e frequentar em casa de família amiga, os estudos no lar orientados pelo do Evangelho Segundo Kardec, tudo que andava solto e colidindo dentro de mim começou a ir para o lugar e formar-se em força maior, um eu continental; as sensações ao tocar objetos impregnados com as vibrações de quem o tocou antes, a pressão da ansiedade da mente coletiva nas multidões, os déjà vus, as premonições, tudo lá, tudo no espiritismo, na Seicho No Ie, na Rosacruz, na Cabalah, na Bíblia - os links se abrindo, o mundo se apequenando, eu crescendo e fazendo parte de tudo; e desde sempre!
Qual foi o primeiro passo? Conhecer a terapia da Dra. Renate Jost de Moraes, meus amigos kardexistas, a Cabalah e seus portais, a Rosacruz com seu movimento de iluminação acessível? 
Penso que farta de observar e sintetizar, resolvi determinar e assim começa toda estrada movimentada da qual a maior parte das gentes tanto foge, não por covardia, mas por que é duro demais, mesmo. 
Não é que eu tenha mais força, somente ocorre quem tem mediunidade pode se agarrar o quanto queira em não aceitar-se, mas num determinado ponto o que está por dentro fica maior do quê o container, e é trabalhar os dons e portais ou virar o louco da aldeia...mas pensando bem, num mundo em que a maioria se agarra para não entrar em movimento ou  aceitar a senda, os que se dispõe às alterações não são mais ou menos isso? 
Pensando melhor, não estamos chegando a conclusão - através de imensos estudos - de que todos têm estes "dons" em maior ou menor proporção, e sendo assim, os loucos, com o avanço da ciência, virão a ser  os que não aceitarem desenvolvê-los, não é?
Aos trinta e seis anos eu morava em Erechim, foi  quando os sonhos voltaram intensos e recorrentes, era um grupo de exilados em uma gruta, era o barbudo novamente e um drama de intensa pressão pós trauma coletivo.
Comecei a escrever conforme entendia os sonhos, comecei a escrever tudo, a escrever para todos, estava com internet, encantada com a internet, todo endereço que chegava até a mim eu anexava aos meus contatos e escrevia contos, crônicas e enviava. 
Aos quarenta anos cheguei em São Paulo. 
Foi quando encontrei o barbudo, o que não era para existir -se eu fosse louca - e me entreguei ao movimento novamente, com muita alegria , conforme diz a filósofa Viviane Mosé sobre sua entrega ao tempo: "Dizem até que ando remoçando". 
Entrega feita, dores mil, mudanças, rupturas, sofrimentos enormes, eis que um barbudo tão sonhado deve ter sua vida pronta e determinada, como eu tinha. 
Quem inventou o termo chuva de canivetes deve ter passado por trecho semelhante ao meu. 
Um passado como o meu, e, para da chuva ter desfrutado, ter tido uma determinação similar.
Mas e daí?
Ando remoçando, sim, pois ele existe e a constatação de sua existência tirou de sobre mim o medo de ser louca. 
Desde que o reencontrei, meu mantra é:
Eu Não Tenho Medo.

Pinturas que fiz em 2001, óleo sobre tela, atelier A Casa do Bispo - Erechim/RS

Dra. Renate Yost de Moraes - ADI

http://busquesantidade.blogspot.com.br/2009/09/adi-abordagem-direta-ao-inconsciente.html