21 junho 2013

À Noite, Ele é Anjo

Eu banhei o bebê e afofei o tope de cetim azul marinho no macacão de marinheiro, abri-lhe o decote e apertei o talco que excedeu a roupa e perfumou o quarto. Sentado sobre a colcha floral me esperava com a paciência de seu um ano recém feito. 
E eu penteava o cabelo quando ouvi seu gritinho, lá fora. Parei e o mundo continuou rodando, a vizinha estava ali e carregava meu bebê no colo para dentro do carro que o atropelara na garagem, ao lado da casa. Ele deslizara silencioso da cama e saíra atrás do pai que fora tirar o carro da garagem, engatinhara até o para-choques traseiro após descer o único degrau que o separava do carro, que ao entrar em movimento de ré o fez girar, cair no trilho e ficar com o tórax debaixo da roda traseira. 
Onde se dera, havia a mancha com o sangue que saíra pela sua boquinha no momento do esmagamento. Eu fiquei tentando fazer o tempo voltar, com as palmas das mãos e a face coladas a parede enquanto a Marcia, a vizinha, fazia respiração boca a boca no meu bebê, sumia dentro do carro que arrancou rapidamente. Depois não há registros para mim até a estadia na UTI, costelas e clavículas fraturadas, respirando por aparelhos e sedado,  havendo a suspeita de o pulmão ter sido perfurado por uma das costelas. 
Os exames não eram concludentes e o prognóstico era temerário. Até a tarde em que foi removido para exames e o médico anunciou que no dia seguinte "tentariam" uma cirurgia. 
Muito arriscada, garantiam as enfermeiras.
Foi na passagem daquela noite, entre o sexto e o sétimo dia sem que o bebê a nada respondesse, entre 03:00 e 4:00h, que a enfermagem solicitou que eu deixasse o meu filho porque iriam trocar os equipamentos dele, neste momento saí para o corredor e me sentei no chão com as costas contra a parede abraçando meus joelhos, eu era um ovo, só, rolando naquele universo caótico que jamais percebera ser paralelo ao nosso, chorando a falta de forças, vi um par de sandálias franciscanas com pés morenos calçados nela, ergui a cabeça e a pessoa que encontrei me adoçou a alma, que já entrava em colapso pelo anúncio do iminente. 
Envolto eu um halo de ar mercurial o pequeno homem vestia pantalonas azul marinho bem desbotadas que lhe chegavam até as canelas, e a camisa era branca amarelada de tecido fino, muito simples. 
Falou comigo sobre meu bebê, disse que conhecia a história e viera para me dizer para me acalmar, que o meu filho estava bem, viveria uma longa vida, sua voz era de uma modulação suave, mas tinha a aspereza do roçar de folhas secas. 
Usava o cabelo partido bem separado, parecendo untado, de forma que lhe colava a cabeça. Sua pele era dourada e recitou um versículo enquanto me pôs a mão sobre a cabeça. Era de força mas com palavras que não posso repetir, baixei a cabeça contra os joelhos e chorei desafogada, querendo crer. Quando levantei-a novamente, nos corredores com luz noturna não havia ninguém, absolutamente ninguém. Ainda não podia retornar para junto do meu filho, então fui até o fim do corredor e abri a porta para a sacada, havia mais algumas pessoas, que iniciaram um burburinho enquanto eu fazia uma oração; uma grande estrela, como maior nunca vi, caia e produzia um lindo espetáculo do lado direito donde eu estava. 
Às nove da manhã do dia seguinte o médico mandou me chamar, levaram o bebê para exames antes da cirurgia e ele havia sarado durante a noite, as manchas que eles julgavam ser a perfuração desapareceram e o Tobito Kanavion já respirava sem aparelhos. 
Guardo comigo esta hora como a maior das bençãos. Encantada, perguntei ao médico como podia ser. Respondeu que não sabia, mas de vez em quando acontece. Às onze da manhã daquele dia o Tobito brincava sentado na cama de um quarto comum, somente sob observação.

Dezessete anos passados, tendo recém chegado em São Paulo tentava me instalar na nova casa, nova vida, outra voltagem, pedi auxílio ao vizinho, dono da banca de revistas que se tornou um bom amigo, e ele indicou um conterrâneo seu, chileno, para fazer a conversão dos aparelhos. Telefonei para profissional indicado e ele me impressionou muito bem pela voz e gentileza, mas foi quando chegou, que o Renaldo me impressionou mais. 
Com o estranho corte de cabelo e penteado bem repartido e lambido, sua voz de acalmar, modulada para acalmar corações, entrou pelo portão com sua valise de técnico sem saber que de madrugada é anjo.
Desde aquele dia, seis anos se passaram, e eu sempre o cerquei enquanto fazia algum conserto, e lhe perguntava muito, e ele respondia e eu o fazia falar e ele falava, falava, explicava com paciência e simpatia as coisas que eu nunca compreenderei sobre interruptores e circuitos e comandos, de vez em quando o via indo buscar as filhas que estudavam na mesma escola que meu filho caçula, sempre gentil e amável. 
Foi somente há alguns meses que arranjei coragem para contar-lhe o que aparentemente só eu sabia sobre ele. Estava de pé com maleta na mão pronto a ir embora depois de consertar a máquina de lavar roupas, já olhara os quadros que eu preparava para a exposição Rosacruz, fizera comentários pertinentes e eu tomei coragem. Ao ouvir minha narrativa, deu um passo para trás e encostou-se na cômoda segurando-se nas bordas. 
A roupa que eu descrevia, ele usara por muito tempo nas sua escola. Estudara com os franciscanos, no Chile, mas no Brasil conheceu o Kardexísmo  trabalhava com a mediunidade em um centro espírita onde se preparava para as missões e desdobramentos. 
Pedi-lhe, e aceitou, posará para um retrato para minha próxima exposição.


SALMO  PARA CURA DE DOENÇAS ( 29/30). 
Eu te exaltarei, Senhor/ pois tu  me reergueste e não deixaste que meus inimigos se divertissem à minha custa./ Senhor meu Deus, a ti clamei por socorro, e tu me curaste./ Senhor , tiraste-me da sepultura; prestes a descer à cova, devolveste-me à vida./ Cantem louvores ao Senhor, vocês, os seus fiéis; louvem o seu santo nome. / Pois a sua ira só dura um instante,   
mas o seu favor dura a vida inteira; o choro pode persistir uma noite, 
mas de manhã irrompe a alegria. / Quando  me senti seguro, disse: 
jamais serei abalado! / Senhor, com o teu favor, deste-me firmeza e estabilidade; 
mas quando escondeste a tua face, fiquei aterrorizado./ A ti, Senhor, clamei, 
ao Senhor pedi misericórdia: se eu morrer, se eu descer à cova, que vantagem haverá? / 
Acaso o pó te louvará? Proclamará a tua fidelidade?/ 
Ouve, Senhor, e tem misericórdia de mim; Senhor, sê tu o meu auxílio./ 
Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, 
para que o meu coração cante louvores a ti e não se cale.Senhor, 
meu Deus, eu te darei graças para sempre. 
Amém. 

“Senhor, tiraste-me da sepultura; prestes à descer à cova, devolveste-me a vida”.
Sepultura em hebráico é Sheol, pó ou morte. 

Novamente o salmista Davi utiliza conceitos de extraordinário poder, 
hoje utilizados pela Neurolinguística. Ele não está pedindo para Deus livra-lo da morte, 
simplesmente está afirmando que a vida lhe foi devolvida. 
Extraordinário. 
Texto e Salmos da página de Weber Malchener, site Somos Todos Um

Foto: Salão Internacional de Artes em Barueri, Marcelo, ou Tobito, (seu nome artístico como cosplayer e aderecista), ao lado de minha Pacha Mama. Em 2010.

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