21 agosto 2016

O Galo Comovente

A família joga lixo nos fundos do seu quintal e as moscas proliferam apesar de o caminhão de lixo passar duas vezes por semana na rua para recolher o resíduo. Não se trata de compostagem, pois as embalagens plásticas perduram acima da pilha. O vizinho reclama e uma rixa se estabalece.
Dois meninos vizinhos têm a mesma idade, vão na mesma escola. Um é o filho de uma família evangélica que prima pela correção e respeito nas ações. O outro menino tem muitos irmãos quase da mesma idade e a família já desistiu de dar-lhes atenção, ele cresce na rua com os moleques do bairro, na escola perturba o menino evangélico e dá-lhe cotoveladas e rasteiras agressivas durante a educação física. 
Seja qual for a motivação, recordo-me apenas que o pai do menino evangélico queixou-se comigo de que 
era impossível dizer qualquer coisa a favor dos vizinhos, para aconselhar ao filho que relevasse, ainda assim ele tentava, mas reconhecia que às vezes o sangue lhe fervia nas veias, mas tendo que dar o exemplo... 
Quando as crianças de ambas famílias brincavam em seus respectivos quintais, o menino do vizinho  queimava com as chamas de um isqueiro a pele do seu cão. Chamava pelo nome dos seus filhos e tocava fogo no cão.
O meu amigo concluindo que aquela era a gota d'água, o fim da picada, esperou um dia em que o vizinho chegava em casa, e antes que ele entrasse pelo portão, narrou-lhe o ocorrido, aconselhou o outro pai que tomasse providências "o animalzinho sofre, é uma barbaridade, a gente tem que conversar com as crianças de vez em quando, não é mesmo?"
Passados alguns dias, sua menina e seu menino  brincavam nos fundos da casa deles depois do almoço quando ouviram o menino do vizinho a chamar-lhes. Até posso ver, o Marcio dizendo a sua irmã:"- Não olhe, não olhe, é isso que ele quer." Mas ele mesmo não podendo deixar de virar a cabeça e ver:
O cruel menino, que hoje deve ter vinte e oito ou trinta anos, pegara um galo grande que vivia a ciscar sobre o lixo do seu quintal, e com um galho, espetava a ave sob o rabo.
O meu amigo hoje é pastor provavelmente, acredito  que possa recordar-se deste espisódio, eu, de fato,  jamais o esqueci. 
Em verdade, eu fiquei em choque quando ele narrou o acontecido e confessou sua impotência para lidar com o caso.
Em verdade, o que quer que ele fizesse esbarraria no fato de que criamos aves para o abate, mastigamos sua carne, alimentamo-nos delas. Toda a vida animal que mantemos em nossas habitações, terrenos urbanos ou territórios rurais, são nossos para agirmos como se fossemos anjos sobre elas, ou como demônios.
Ontem, meu filho lia em voz alta o livro O Guia do Mochileiro das Galáxias enquanto eu faxinava, desde então temos conversado sobre um episódio narrado no preâmbulo da história escrita por Douglas Adams que diz:
"Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das àrvores. algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima ideia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar. 
E, então, uma quinta-feira, quase dois mil ano depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo que as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado de errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma. Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota e a ideia se perdeu para todo o sempre."

Foto feita por Hawkins Joseph


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