27 março 2011

Carta do Comandante de um 767 chegando ao Japão no dia 11

Nesse momento estou inteiro, escrevo do meu quarto no hotel da tripulação. São 08:00. Esta é minha viagem trans-pacífica inaugural como recém-checado comandante internacional de 767. Eu já cruzei o Atlântico três vezes até agora, de forma que os procedimentos oceânicos já me são familiares. Tudo estava indo bem, até 100 milhas fora de Tóquio, na descida para a chegada. A primeira indicação de problema foi o controle japonês começar a colocar todos os vôos em órbitas de espera. Inicialmente pensamos que era o habitual congestionamento da chegada. Então recebemos do despacho da empresa, via link de dados, uma mensagem avisando sobre o terremoto, seguida por outra avisando que o aeroporto de Narita estava fechado temporariamente para inspeção e deveria ser reaberto em breve (a empresa é sempre tão otimista). Do nosso ponto de vista, as coisas estavam, obviamente, um tanto diferentes. O nível de ansiedade do controlador japonês parecia bastante elevado, quando nos comunicou que o tempo de espera era "indefinido". Como ninguém se comprometia com relação a um período de tempo mais preciso, pedi a meu co-piloto e relief-pilot que procurassem alternativas viáveis e analisassem nossa situação de combustível, que, após uma travessia oceânica é normalmente baixo. Não demorou muito, talvez dez minutos, e os primeiros pilotos começaram a alternar para outros aeroportos. Todos reportando "combustível mínimo". Eu ainda tinha combustível suficiente para 1,5 a 2,0 horas de espera. Desnecessário dizer que os vôos alternando logo complicaram a situação. O controle de tráfego aéreo japonês, em seguida, anunciou Narita fechado por tempo indeterminado, devido à danos. Os vôos começaram então a solicitar pouso em Haneda, perto de Tóquio. Meia dúzia de JALs e alguns voos ocidentais obtiveram autorização nesse sentido, mas em seguida o controle avisou que Haneda tinha acabado de fechar! Agora, em vez de apenas esperas, todos tivemos que começar a considerar alternativas mais distantes, como Osaka, ou Nagoya. O que é ruim sobre um avião grande é que você não pode apenas decidir pousar em qualquer aeroporto pequeno. Em geral, é necessária muita pista. Com mais e mais voos se empilhando tanto a leste como a oeste, todos precisando de um lugar para pousar e várias situações de combustível crítico, o controle de tráfego aéreo estava começando a se debater. Na luta, sem esperar meu combustível ficar crítico, obtive autorização para Nagoya, com a situação de combustível ainda boa. Até aí tudo bem.  Após alguns minutos nessa direção, fomos "ordenados" pelo controle para inverter curso. Nagoya estava saturada com tráfego e incapaz de lidar com mais aviões (leia-se aeroporto lotado). Idem para Osaka. Com essa declaração, nosso combustível passou instantaneamente de bom para mínimo, considerando que poderíamos ter que fazer um desvio muito mais longo. Multiplique nossa situação por uma dúzia de aeronaves todas no mesmo barco, todas fazendo exigências e ameaças ao controle para alternar em algum lugar. Um Air Canadá e depois outro foram para "emergência" de combustível. Aviões começaram a pousar em bases da força aérea. A mais próxima de Tóquio era Yokoda AFB. Entrei nessa também, inicialmente. A resposta - Yokoda fechada! Não há mais espaço. A essa altura o cockpit se transformou em um circo de três picadeiros: meu co-piloto nos rádios, eu voando e tomando decisões e o relief-pilot enterrado nas cartas aéreas tentando achar um lugar para onde ir, que estivesse dentro do alcance, enquanto mensagens voavam  pelo link de dados entre nós e o despacho da empresa em Atlanta. Escolhemos Misawa AFB na extremidade norte da ilha de Honshu. Podíamos chegar lá com combustível mínimo ainda restante. O Controle, feliz por se livrar de mais um, nos autorizou a sair do turbilhão da região de Tóquio. Ouvimos o controle tentar enviar vôos para Sendai, um pequeno aeroporto regional no litoral que mais tarde me parece foi inundado por um tsunami. O despacho em Atlanta, a seguir, nos enviou uma mensagem perguntando se poderíamos continuar até o aeroporto de Chitose, na ilha de Hokkaido, no norte de Honshu. Outros aviões da minha empresa estavam sendo mandados para lá. Mais correria no cockpit - Checar meteoro, checar as cartas, checar combustível, tudo bem. Poderíamos fazê-lo sem entrar em uma situação crítica de combustível... desde que não tivéssemos outro atraso. Quando nos aproximamos de Misawa obtivemos autorização para continuar a Chitose.
Processo de tomada de decisão crítica. Vamos ver - tentando ajudar a empresa - aeronave sobrevoa alternativa perfeitamente boa em favor de uma mais distante... queria saber como isso iria parecer no relatório de segurança, se algo desse errado.
De repente o controle nos dá um vetor para uma posição bem antes de Chitose e nos diz para aguardar instruções de espera. Pesadelo realizado. A situação deteriora-se rapidamente. Depois de uma espera inicial perto de Tóquio, iniciar um desvio para Nagoya e inverter o curso de volta a Tóquio, em seguida, voltar a desviar para o norte até Misawa, toda nossa feliz reserva de combustível agora se evaporava rapidamente. Minha transmissão seguinte, parafraseado claro, foi mais ou menos assim: "Controle S- D XX solicita liberação imediata, direto Chitose, combustível mínimo, impossibilitado de efetuar espera.""Negativo-Ghost R, o tráfego está lotado" Desesperado ataquei:"Controle, correção,  D XX declarando emergência de combustível, prosseguirá direto Chitose."
"R D XX, entendido, você está liberado direto Chitose, contate agora o controle Chitose... etc ..." Decidi dar um basta e me antecipar, antes de ficar com o combustível criticamente baixo em outra órbita por tempo indeterminado, principalmente após haver ignorado Misawa, jogando assim minha última cartada ... declarando uma emergência. Agora eu teria uma papelada da empresa para preencher.
Dessa forma - desembarcamos em Chitose com segurança, com pelo menos 30 minutos de combustível restante antes de atingir uma "verdadeira" situação de emergência de combustível. É sempre um bom sentimento, estar seguro. Eles nos taxiaram para uma área remota do estacionamento, onde cortamos e assistimos uma meia dúzia ou mais de aeronaves chegando em fila. No final, da minha empresa haviam dois 747, nosso 767 mais um outro e um 777 todos no pátio em Chitose. Vimos também dois aviões americanos e dois canadenses. Para não falar dos muitos aviões japoneses.
PS - Nove horas depois, finalmente conseguiram trazer uma escada até nosso avião e fomos capazes de desembarcar e fazer alfândega. - Que no entanto, é outra história interessante. Agora, enquanto escrevo senti quatro tremores que abalaram o hotel um pouco - em 45 minutos.  

Relato recebido por reencaminhamento. 
Foto: detalhe da delicada constituição sobre a metálica composição. 
Pintura à óleo sobre chapa metálica. Mede 200x100, fiz em 1997
Para ver as flores de quando O Segundo Sol Chegar, clique no título da postagem.



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