17 abril 2010

Cabeça


Quando me ligou dizendo tenho uma má notícia, imediatamente lembrei do telefonema avisando que a exposição para a qual tanto trabalhei, zebrara. 
Ruim para mim. 
Más notícias? Ninguém deveria usar o telefone para dar más notícias. 
Campainha caborteira. Más notícias, diga! O que chamas de má notícia?
-O Cabeça faleceu! Agora há pouco...faleceu. Os filhos já foram avisados.

Os filhos já foram avisados, Cabeça morreu... 
Mas o Cabeça não corria risco de morte!

Ele aparecia de vez em quando como quem está passando e pára para tomar água, ou então festivo, para o aniversário das crianças, nunca traz presentes, mas é esperado com alegria por eles. Após as refeições lava a panela mais difícil, pois sabe que não gosto de lavar, só de cozinhar, observo-o calmamente esfregando a palha de aço enquanto sorridente conta coisas dos filhos que só conhecemos por fotos, pois moram no Urguay. 
Rememora como foi cuidar deles sozinho depois que se separou da esposa, como organizava a rotina de pai separado. Admiro-o pelo passado e pelos contos agradáveis. O Cabeça não pode ter morrido! 
E os filhos? Ele tem filhos que precisam dele, quem morreria numa circunstância destas? 
Foi pro Uruguay há pouco, pernoitou aqui...tem dois filhos, separado e pai devotado... 
O Cabeça é uma mãe! 
Como assim, tu estás falando que o Eduardo Sylva morreu?

O Cabeça apareceu em minha casa pela primeira vez há seis anos. Mudei-me de cidade três vezes desde que ele apareceu pela primeira vez para passar o final de semana.

Do nada, apareceu! Num sábado pela manhã meu ex-marido recebeu a ligação do colega do tempo do curso universitário de mais de trinta anos, que perguntava se podia vir para revê-lo. Estava trabalhando no Brasil em uma cidade próxima. 
Dalí ha algumas horas chegou com um pacote de erva-mate e o sorriso mal tratado.

      Não, o Cabeça não pode ter morrido.
Insólito, a culpa a me arranhar o pescoço. Na última vez que veio, senti preguiça de fazer o bolo de fubá que ele gostava...
Dizem que sim, repete Robert, confirmam nome e sobrenome. Morreu de ataque cardíaco, foi levado ao hospital, e tentaram em vão ressuscitá –lo.
No mês passado esteve aqui, chegou com sorriso novinho, emagrecido e um tanto melancólico, dizia estar arrependido de não ter vindo morar antes no Brasil. 
Estranhei, porque o Cabeça nunca antes mencionara arrependimento. Disse que estava preocupado com o filho mais velho, que demorava a amadurecer, orgulhoso com o mais novo que apesar da dificuldade no aprendizado, era persistente. 
Contou-nos que no final de semana anterior, na cidade mineira onde estava trabalhando conheceu uma mulher que lhe tocou profundamente. 
Pela primeira vez também, Cabeça mencionava apaixonamento, falava aberto e esperançoso, ia ver os filhos e quando voltasse, talvez...

Tomamos mate falamos sobre inexorabilidades, elogiou a casa, comentou os quadros. Orgulhoso contou que foi muito bem acolhido na cidadezinha onde estava trabalhando, pensava em fixar-se agora, talvez com uma esposa... sorriu. Comemos pizza e na manhã seguinte levei-o ao aeroporto.

A vida é um sopro.

Hoje pela manhã uma amiga virtual de anos, a Luzia, escreveu dando seu endereço e falando da importância de as pessoas se visitarem, cultivarem um jardim, momentos de convivência, pois disse ela:                            -A vida é um sopro!
Eduardo Sylva faleceu ontem, dia 26 de setembro de 2007, aos 53 anos de idade. Seu corpo será trasladado para Rivera, Uruguay, onde a família que lhe resta, uma prima e uma tia, moram.

Conhecer o outro, uma experiência que nunca termina - Clarice Lispector: http://www.youtube.com/watch?v=K-pbI4H6fn4

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