Quem é Vincent? Agora ele tem quatroze anos, mas para mim ainda é um garotinho. Meu segundo filho. O mais velho é Daniel, vinte anos este ano. Há também Alberte, onze anos, e Pauline, nove anos. Meus filhos.
A pequena frase que ouço mais frequentemente creio que é essa: "Como começou a escrever?" ou "Eu a admiro por escrever com esses quatro filhos." Aqueles que me fazem essa pergunta em geral são os mesmos que, um momento depois, me pedem para fazer uma conferência em Angoulême, para ler um manuscrito de seu primo, para redigir um artigo "que não me prenderá mais do que um instante." sobre Madame de La Fayette ou sobre a vida de Flaubert.
Não sei que responder. digo grosseiramente: "É uma questão de organização." Que queriam que eu dissesse?
A segunda pequena frase, às vezes disfarçada de uma certa admiração esportiva, às vezes de uma indulgência irônica, é: "Deve ser cômodo ter fé" ou "Eu a admiro por ter..." ou "Você teve a oportunidade de ter..."
Não sei que responder. Digo grosseiramente: "Não tão cômodo." Depois um remorso me toma: "Sim, cõmodo, num sentido."
Não sei responder às perguntas. Ou antes, não sei responder às perguntas senão por imagens. Olho meus filhos, meu trabalho, minha fé. Digo-me:"Ei-los", como a gente diz ante o espelho: "Eis o meu rosto." aos outros cabe defini-lo. Para mim as definições...
No dia em que tive com Vincent uma conversa que anotei, porque ela me divertia, fomos tomar chá perto de Saint-Séverin, numa hospedaria inglesa onde há boas tortas de limão. Não era para reconpensá-lo; ele absolutamente não o merecia. Mas simplesmente porque tínhamos vontade de falar. Vincent com onze anos: mau aluno, turbulento, indisciplinado, imprudente escalador de andaimes, alma terna afogada em lágrimas por causa de uma palavra de reprovação, impenitente pau-para-toda-obra, sempre coberto de cola e de pintura, devorando livros de ciências naturais e Arsène Lupin; às vezes um pouco afetado, sujo como um porcalhão, os mais belos olhos do mundo e conhecimentos de teologia. Ainda não o defini de jeito nenhum.
Que ele tivesse vontade de falar comigo, "e se fôssemos tomar qualquer coisa para falar um pouco tranquilamente?" era o momento mais colorido da minha vida, um desses momentos que, em contraponto a muitos manuscritos lidos e louça lavada formam o fio condutor de nossa verdadeira vida, do que contou verdadeiramente, e o que nem sempre é o mais importante na aparência. No dia em que Alberte tocou pela primeira vez em público (piano) e no dia em que, saindo da escola maternal, agarrou um garotinho, no dia em que Pauline disse pela primeira vez: "Janto na cidade." (ela tinha cinco anos) e no dia em que ganhou um prêmio de ortografia: ela tinha naquele dia um avental novo e um ar de criança bem educada! O primeiro poema de Daniel e sua primeira bebedeira, e o dia em que ele comprou seu saxofone e em que ficamos todos cheios de admiração ante o instrumento cintilante em seu estojo de veludo aplicado, e o dia em que, imerso na banheira, com um biscoito mordido na saboneteira, ele me disse: "Esta noite tive um sonho formidável. Eu fazia uma grande e perigosissíma viagem e aparecia no meio dos selvagens a casar com uma jovem maravilhosa." Toda a juventude simples do mundo, aquela das canções e dos poemas, que desde as Cruzadas impetuosamente se arremesssa sempre com a mesma alegria, brilhava em seus olhos, que são grandes e verdes. Eis momentos que estão bem ligados a alegria de escrever. À alegria de crer. Outros estão ligados ao sofrimento de crer e de escrever. Tudo isso não resulta senão em uma só coisa. Mas essa "uma" responde às duas pequenas frases?
Naquela noite eu disse a Jacques:
-Você devia nos pintar.
Fazer um grande quadro com toda família. Nós dois, e depois as crianças, os animais. Dolores. Todos os pintores fazem isso. Selbs-bildnis. O artista e sua família.
-O chato é que nesse momento não sou figurativo, observou ele mordendo o cachimbo.
-Bem, bem. Sempre para mim todas as obrigações fastidiosas...
-Que hipocrisia!...
Vou fazer um quadro. as imagens respondem às perguntas?Trecho de A Casa de Papel, de Françoise Mallet-Joris, editado pela Livraria José Olympio.
E clicando no título, ande pelo Mssif De La Sainte Baume.
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