A vida deu um salto e quando voltei a olhar em sua direção a menina já havia terminado o primeiro grau e queria estudar na escola agrícola, queria ser técnica agrícola, depois faria agronomia. Estava pedindo para morar comigo no interior, já que nossos pais agora moravam na capital.
Ela saia de madrugada e voltava de tardezinha, chegava em casa com os longos cabelos louros emaranhados de pingos de cal:
-Hoje pintamos o celeiro da escola fazenda.
Eu a esperava no portão e via ela se aproximar devagar, abatida, perdida dentro do enorme macacão azul sujo:
- O terneiro ficou entalado no canal de parto e o professor me fez enfiar a mão na vaca para ajudar, ainda bem que deu certo, mas foi horrível!
Noutras feitas, insegura, com os olhos verdes ainda maiores dizia sem convicção que se saíra bem dirigindo o trator. Um ano e meio e desistiu. Resolveu ser professora:
-Acho que é do que gosto, sinto que é meu caminho. Se casou, formou-se, tem três filhos, continua estudando e trabalhando.
Saí do Rio Grande do Sul e agora nos vemos apenas uma vez por ano. Sempre que nos reencontramos ela esta abatida pelas atividades de final de ano na escola. Leciona em uma escola que fica na cidade ao lado donde mora, todo dia dirige muitos quilômetros pela estradinha de terra batida na serra. Sobe morro, desce morro, pelo fiozinho de estrada que se enrola entre a mata. Sempre que nos reencontramos narra o inusitado cotidiano de quem vai para o trabalho dirigindo solitária por lugares ermos:- Vi uma onça!...Me espanto,ela apazigua: -Era pequena.
-Tive que estacionar na chuva para tirar o porco espinho que não queria sair do caminho. Conta histórias dos seus alunos, das famílias deles e assim vou acompanhando o crescimento de pessoas que não conheço. Atualiza:-Lembra daquele menino que te falei no ano passado?
E ela lembra que me contou do menino, fico olhando para aqueles cabelos loiros que voam com o ventinho da tarde, para aquela cara bonita de mulher decidida e não ouço a história do menino, o meu espírito ondula e vira pé de vento e temporal, e hoje eu sei, que é amor.
Escrevi em 2004.
Na foto, Luciana com sua filha mais nova, a Manuela,
Para ouvir a interpretação de Gerli e Haroldo Goldfarb "CANTIGA POR LUCIANA", clique no título.
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