02 março 2010

Dez dias

É possível mudar sem sair do lugar. Mas quando mudamos de cidade o jogo de cintura tem que ser maior e é o lugar que impõe o ritmo do aprendizado. Chegando na cidade grande, coração de passarinho cantarolando: que grattia - nada mais dos mil olhos da cidade pequena grudados no cangote. 
No supermercado eleito no leque embasbacante de opções, sorrio regulando a coluna para o carrinho de modelo moderno e mais alto, feito para os gigantes desta terra maior, justifico. Nas prateleiras, arroz em saco redondo? Que esmero de decoração!
Escolhendo frutas, perguntei ao repositor: 
-Como tu chamas esta laranja? Do céu, ele respondeu, argumentei que conhecia aquela por laranja de umbigo, ele nada respondeu, virou as costas e quando estava longe lançou-me um olharzinho desconfiado. 
Laranja, umbigo?! Eu com a fruta girando na mão evitando esconder o umbigo, umbigo sim. 
Umbigo, não vê? 
Não era isso que queria te perguntar, queria saber de onde tu és, quanto tempo leva para chegar ao trabalho, se és feliz morando na cidade grande, se ainda estuda, ou se não dá tempo, ou se não gosta apenas...
Miserável!
Casa, instalação de aparelhos e máquinas. Vem o eletricista que foi indicado pela loja de materiais para construção. Orçou trezentos e cinqüenta reais por um trabalho que custaria trinta nas grotas donde vim. Conversamos e concordou que não era justo, cobrou apenas oitenta pelo chamado. Mas a compensação é que ninguém esta com os olhos grudados na gente.
Começo a me perguntar, que mal há em ser vigiada.
Um bairro bom, tudo na porta da casa, até loja de material para artistas tem. 
Nunca tem a tinta que eu uso, detalhe. 
Sou vizinha de uma família que cria um pit bull em espaço reduzido e não me envergonho de confessar que os vigio. O bicho ansioso e irritado pulou o muro no dia seguinte ao que me mudei, atacou um cachorro que passeava a dona desavisada. A dona do cachorro vítima chorava e tremia, o cachorro babado e mordido escondia-se atrás dela, e a dona do pit bull desculpava-se:
-O Jafar nunca fez isso antes, o seu só pode ter provocado.
Os habitués da rua, ao me verem passar com minha pincher no bolso, maliciando avisam:
-O Pittbull engole essa sua cachorrinha!
A Emma...
Mas por enquanto, o problema é sincronizar o aviso interno com o nova rotina da coleta do lixo. Errei e o meu lixo ficou pegando sereno. Mesmo morando na Babilônia, na Babel, continuo rezando, dez da noite e o lixo lá, dez da noite e eu rezando, dez da noite e o barulhão do posto Shell cessa, dez, ou dez e pouco e a vizinha pitt bull chega do trabalho.
Tec, tec, tec, bate com eco o tamanco na rua silenciosa, sobe cansada a travessa da Vila Madalena, quase Lapa, talvez Alto de Pinheiros. 
Encruzilhada de bairros será tão ruim quanto dos despachos? 
O som do tamanco cessa e ouço o barulho do saco do meu lixo sendo rompido e arrastado. Mas isso é quase impossível, a mulher rasgou o meu saco? Rasgou e girou a chave no portão, depois na porta e perdeu-se tec, tec, casa adentro. 
Santo Deus, o que estará querendo ao fazer isso?
No dia seguinte levanto cedo para juntar o lixo e lavar a calçada, depois vou para aula de yoga onde uma professora suave de corpo bonito me orienta na realização da postura do guerreiro e depois de adoração ao sol.
Na volta pego pãezinhos quentes e chego no Centro Cultural Brasil /Chile para conhecer o trabalho do artista plástico Juan Gajardo. 
Os pães esfriam, volto para casa ansiosa por cores. Trabalho.
No Link, Pasion Vega
http://www.youtube.com/watch?v=1u1A1ZfvfgU

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