14 abril 2012

Vincent Van Gogh

"...Acabo de ler O ano Terrível de Vitor Hugo. Nele há esperança, mas...esta esperança está nas estrelas. Acho isso verdadeiro e bem dito e belo, aliás, acredito nisto de bom grado.
Mas não esqueçamos que a terra também é um planeta, por conseguinte, uma estrela ou um globo celeste. e se todas essas outras estrelas fossem iguais!!!!! Não seria muito divertido, enfim tudo estaria por recomeçar. Ora, para a arte, precisamos de tempo, não seria nada mal viver mais de uma vida. E não deixa de ter seus encantos acreditar nos gregos, nos velhos mestres holandeses e japoneses continuando sua gloriosa escola em outros globos.
Você verá por este esboço o tema dos novos estudos; há um vertical e um horizontal com o mesmo tema, em telas de 30. Bem que existe um tema para um quadro aí, como em outros estudos que tenho. E na verdade não sei mesmo se algum dia farei quadros calmos e tranquilamente trabalhados, pois me parece que meu trabalho continuará sempre desordenado...
Acredito contudo que o vento contínuo daqui deva ter alguma responsabilidade no fato de que os estudos pintados tenham esta aparência selvagem. Pois em Cézanne também se vê isto.
O que permite aos japoneses enfiarem suas obras de arte em gavetas e armários deve ser o fato de que os kakemonos podem ser enrolados, o que não podemos fazer com nossos estudos pintados, pois eles acabariam por rachar. Nada facilitaria mais a conservação de telas entre nós, do que fazê-las serem aceitas normalmente como adornos em residências burguesas. como antigamente na Holanda.
Assim, aqui no Midi seria muito bom ver quadros pendurados nas paredes brancas. Mas venha ver em todos os cantos enormes medalhões Julien coloridos, uns horrores. E ali, não mudaremos nada deste estado de coisas.
Contudo - os cafés, talvez com o tempo sejam decorados.
Enfim, uma tela que eu cubra vale mais que uma tela em branco. Isso - minhas pretensões não vão mais longe, não tenha dúvidas -, meu direito a pintar, minha razão de pintar, ora, isso eu ainda tenho!
Isto só me custou minha carcaça arruinada, minha cabeça bem maluca no que diz respeito a viver como eu poderia e deveria, viver como um filantropo.
E a você, só lhe custou uns, digamos, quinze mil francos, que você me adiantou.
Ora...não há o que zombarem de nós...
Todo plano carrega dificuldades dissimuladas.
Como com Gauguin, isto seria tão simples, mas será que após a mudança ele ainda está contente?
E já que não se pode fazer planos, não me preocupo que a situação esteja precária.
Sabê-la e senti-la assim é que nos faz abrir os olhos e trabalhar.
Que agindo assim nos enganemos, eu me atrevo a duvidar, algo nos restará. E confesso nada prever quando vemos gente como Gauguin diante de um muro. esperemos que haja saída para ele e para nós.
Se eu pensasse, se refletisse nas possíbilidades desastrosas, não conseguiria fazer nada; eu me jogo de cabeça no trabalho, volto com meus estudos; se a tempestade na cabeça estiver roncando forte, bebo um copo a mais para me atordoar.
Isto é ser maluco frente ao que deveríamos ser.
Mas antes eu me sentia menos pintor; a pintura está se tornando para mim uma distração, como a caça aos coelhos é para os malucos que a praticam para se distrair.
A atenção fica mais intensa, a mão mais firme.
É por isso então, que eu quase me atrevo a lhe garantir que minha pintura ficará melhor. Pois isso é tudo o que tenho.
Você leu no Goncourt, que Jules Dupré também lhes parecia um maluco?
Jules Dupré tinha encontrado um apreciador que lhe pagava. Se eu pudesse encontrar isso e não viver tanto às suas custas!
Depois da crise que eu tive vindo para cá, não posso mais fazer planos nem nada, estou decididamente melhor agora, mas a esperança, o desejo de chegar lá se dissiparam e eu trabalho por necessidade, para não sofrer tanto moralmente, para me distrair."


Extraído  de Vincent Van Gogh - Cartas a Théo, publicado por L &PM

Imagem: Vista de Brucheres - França, fotografei em 2009
Clique no título para ver Maia Pliétskaya dançando a Morte do Cisne.  
Tinha 61 anos quando este vídeo foi gravado.
Recebi de Madalena Piga/Grupo Mahavidya

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