15 abril 2012

A Mãe

    Caminha quando não tem o que fazer. Quando mulher não encontra algo que fazer numa casa? Pergunta. É minha mãe, hoje quero dizer mãe, mil vezes, ouvir-me dizer: mãe.
     Caminha com Luciana, a filha do meio, lá na rua que margeia o rio na vila do Rio Grande Sul, ao lado estão os morros, em frente mais morros, atrás, São Francisco de Paula. 
     Numa destas raras tardes de nada fazer, por isso caminhar, atravessando a ponte vinda do trilho doutro lado do rio deixou a filha para trás na caminhada mais para ver flores, mais para prosear do que aquilo que todos chamam de fazer jogging, e correu rumo a estradinha, agarrou algo no chão, levantou no ar e bateu forte contra o solo arenoso da estrada de chão batido, mais batido ainda, e mais uma vez. 
     Luciana me contava ao telefone, com voz de ar fresco da tarde, Luciana me contou com respiração fluida de aragem de gengibre da beira do rio, me contou com voz de quem pedisse um veredito, com assombro e certo orgulho: 
-Sabes a última da mãe? Estávamos dando a volta naquela estrada lateral do cemitério velho, sabes, a que é atalho para Canela, e ela correu na minha frente, eu nunca tinha visto a mãe correr, tu já vistes? Pois pegou algo do chão da beira do quintal da vendinha da mãe da Ana Paula, sabe qual?, ergueu aquilo acima da cabeça e jogou no chão, quando me aproximei quase desmaiei, era uma cobra. Ela matou a cobra com a mão, tu acreditas? Eu conto e ninguém acredita. 
     Perguntei a ela, para a mãe pelo telefone, ela não achou adequado que Luciana tenha me contado, de certo espalhado, ia repreender aquela menina, que haverão de dizer? intuí que pensou, mas respondeu: 
- Ora, da ponta da pinguela eu vi aquele bicho horrível serpenteando rumo ao quintal da casinha que tem crianças...qualquer um faria, tem que fazer! Disse ela com medo de levar um pito. Mas mãe, e o perigo, que cobra era? Perguntei imaginando a cena.
-Um monstro de presas curvas, depois que a Luciana chegou investigamos. Cabeça chata, corpo curto e largo e um chocalho que nem te conto.
-Mas com a mão, mãe? 
- Quando vi aquele bicho horrível indo na direção do cercado, olhei em volta e não vi nada que pudesse usar, corri e alcancei-a pelo rabo, por um triz que não entra na casa, qualquer um faria, a gente nem pensa numa hora dessas.
     Mais tarde nos encontramos e confrontamos, Luciana disse ainda se arrepiar, e disse que não, ela não faria, se tivesse visto a cobra nem tinha atravessado a ponte. Parece que agora até tenho medo da mãe. Rimos. A mãe diz que não pensou na hora e que depois pensou muito, sim, e lavou a mão muitas vezes com alcool. Ah...passou.
     A mãe, agora consciente, não sei se do perigo ou das ameaças do IBAMA, diz que é assunto encerrado, nem é de se comentar... 
     Abracei São Paulo como minha terra, e quando lembro que foi o Rio Grande que me criou, concluo que quem cria é a mãe, é quem cria que imprime marcas indeléveis, seja onde for. A minha mãe é sóbria e reservada, não usa batom e tem muito bom gosto, exceto para escolher o esmalte para as unhas que pinta de vez em quando, e se questionada sobre os critérios para escolha de tais cintilâncias, não abre espaço para conversações, é seu território inescrutável e insondável. Quando estamos entre estranhos põe  expressão de mãe que tricota meias, o que afinal, também é verdade. A mãe é intuitiva, extremamente questionadora e perspicaz na intimidade, a multi-facetada Hilda, ao comentar o desenvolvimento de algum filho, pergunta dramática com os olhos voltados ao Céu: 
-O que fiz para merecer este teu comportamento tão moderno?


Na imagem: detalhe do retrato de Maicon, retratei minha avó, Conceição, abençoando minha mãe, e minha mãe a mim, eu ao Maicon e assim caminha a humanidade desta família.


Clique no título para ouvir Fascinação. 
A música favorita da mãe:http://youtu.be/5g2sY1pUZdc

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