23 julho 2011

Van Gogh, Pastor e Pintor


 O banco foi corrigido, foi diminuído do lado esquerdo da tela. As pedras estão bem marcadas, o contorno é definido em sépia, ou gris, e lhe imputa peso real. Quantas pessoas conscientes serão necessárias para levantar o quadro? 
A pintura oferece a visão da elipse do bocal de uma fonte de jardim, ela está levemente, torturantemente distorcida. A fonte fica atrás da segunda árvore, e o banco fica entre duas árvores. O passeio atrás do banco e é modelado com grossa camada de tinta, ele usou o pincel como espátula, foi um pincel número quatro ou cinco, era chato ou redondo, mas velho. Interessante que ele tenha dado as pinceladas no sentido provável da circulação dos pacientes, do itinerário dele, sem dúvida. 
É deveras incômoda a falta de base no chafariz, com facilidade se vê que o pintor deste quadro nunca pode contar com ninguém. 
Quando pintou-o estava com 36 anos (em 1889), um ano antes de morrer. 
Quanto da sua angústia terá sido por depender financeiramente do irmão, Théo? 
Até o dia que não quis mais... Alguém interrompe minha visualização, um casal pára em frente, e ela diz: "Nunca foi aceito." 
O quadro está encaixado em uma moldura larga feita de madeira aparentemente leve. Em uma parte onde está descascada vejo os veios: madeira avermelhada semelhante ao cedro, a moldura tem área quadrada quase equivalente a superfície da tela, seus ornamentos em relevo são arabescos formando medalhões, alguns triskles discretos e flores de liz - lírio da condenação ao jovem - injusta. 
Na moldura estão conchas, pequenas flores silvestres, e no centro das travessas horizontais, superior e inferior, está em relevo um medalhão com uma forma sui generis: um conjunto que pode ser um pincel sobre espátulas cruzadas, ou uma vassoura sobre foguetes, pode ser qualquer combinação destas, mas numa dimensão onde o quadro não tem moldura alguma, a pintura, sua forma principal representa a primeira letra do alfabeto hebraico, o Aleph - banco de pedra entre duas árvores. Porém, aqui, ali...com moldura de medalhões, que são realmente âncoras ...corroídas pelo tempo, submersas semi-atoladas ao lado do esqueleto do seu navio afundado -afundou-o o senso comum - a moldura é o jugo, a canga, o peso. Na minha frente, o Aleph dele, o líder que foi condenado pela diferença, esquecido na indiferença, o pastor holandês que desfragmentou-se aos 37 anos de idade, antes de cessarem os empréstimos - Théo já avisara... 
No meio da tela, no extremo direito existe uma estrutura que pode ser um coxo de alimentação de aves, ou...não, só pode ser isso, uma vez que existe a menção de reentrância na parte central superior, outra estrutura semelhante está ao lado da fonte. 
O pátio retratado fica na maior parte do tempo sombreado pelas copas das frondosas árvores, embora não haja menção de folhas e sombras na pintura, nem folhas caídas (brotação, ou início de inverno), a terra fértil (vermelha), não apresenta vegetação rasteira, exceto por moitas esparsas que estão em primeiro plano e no fundo, onde não existem árvores, próximo a construção com janelas: um prédio cor de mostarda em que as janelas aparentam ser azul claro, mas são do maldito verde Veronese, que me irrita; é de difícil mistura e resulta sempre falso, uma artificialidade radioativa que detesto. 
Mas que visão triste para ele! 
Essa representação do prédio é pintada com tinta bem diluída, ele iniciou o quadro por ali, será que ia fazer um pintura sem espírito? Ou não lhe importa o lugar... Faço aguadinha em casario quando este lugar é indecifrável ou um espaço do qual não me aproprio, porque não quero, ou porque não posso. 
Deve ter sido um destes gatilhos a definir esse toque "não" ali. 
Quando via reproduções, sempre me perturbava a grama cor de alface no fundo, é um fundo que corre com a visão da gente, e não e pelo primeiro plano gostoso, forte e substancioso. 
Finalmente percebi que a interrupção da forma da grama cor de alface é ocasionada por uma estrutura que está logo depois do comedouro do chão. É uma parede cega, cor de sujeira, um branco com sépia, que  sempre dá nisso, cal velho também. Mas esta estrutura é menos incomoda para ele - um muro? 
Então, são seis árvores, dois bancos, 2 estruturas prediais, o comedouro dos pássaros (esquilos?), um quadro de concreto pequeno semelhante ao comedouro ao lado da fonte, um cipreste ao fundo, um banco de pedras ao fundo, um banco de pedras principal, no qual ele, através da pincelada quer representar as marcas das ferramentas empregadas no corte das pedras. 
O quadro não está assinado. 
Tirei meus calçados, e sentada a moda índia num banco de madeira com assento de quatro dedos de espessura, semelhante ao banco do asilo de Saint Remy (que ele pintou em 1889), penso...logo existo - não! Penso que...nada, esquece. 
O quadro é o menor da parede onde está exposto, mas a cor da parede é especial para ele, um tom sobre tom fantástico. Quando apreciado da distância em que fica o banco de madeira do MASP, acontece uma integração intensa entre quadro e moldura, não dá para concluir em vantagem ou desvantagem nela, então, é perfeita. 
Seus vizinhos de exposição são A Ponte Japonesa Sobre a Lagoa de Ninféias em Giverny, de Monet (1840-1926), e um Maurice Utrillo (1883-1955) - o Sacré-Coeur de Montmartre e Chateau des Brouillards.

E Van Gogh também no título da postagem.

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