24 julho 2011

A Luz, por René-Lucien Rousseau

Na luz podemos reconhecer o antagonismo entre a sombra e a claridade, entre o vermelho - com o qual partilhamos a cor do fogo que nos anima - e o verde - azul, que simboliza ao mesmo tempo a água e o vegetal, corpo úmido banhado pelo orvalho ou embalado pelas ondas do oceano. 
Todos esses símbolos falam  ao homem em sua língua natal. Ele aí se reconhece. Compreende, com o sentido oculto dos símbolos, seu parentesco, suas afinidades ou mútuas repulsas.  
E porque olhava para o céu, acreditou-se deus. Seu louco orgulho fazia-lhe pretender igualar-se aos anjos. Viu enfim, que está afundado na Terra, que é filho da Terra, do mesmo modo que os mortos. Tudo o que a terra gerou sob a ação ardente do Sol, o homem carrega consigo. De todos esses seres, ele recolhe a energia e o elã, mas também suporta-lhes o peso; é seu destino. É irmão de tudo o que vive, de tudo o que viveu e de tudo o que viverá sobre a Terra. Como o céu, sua alma tem nuvens e monstros que se arrastam nas profundezas de seu psiquismo.
Ele vê o princípio de sua própria consciência, de seu "Eu", do qual estava tão orgulhoso, na pequena haste de erva em que brilha uma gota de chuva, no mosquito que rodopia no crepúsculo dourado. Seu "Eu" talvez nada seja. Apenas o espírito existe. Mas, no campo do espírito, onde estará o limite do "Eu" e do "Não Eu"? Ele viu a alma da natureza, a Anima Mundi, agitar-se aos seus pés, talhar os seres e produzir as formas. Aí, verdadeiramente, ele se reencontrou.
Longe de ficar diminuído nessa descida aos infernos, ele se enriqueceu. Reconheceu a profunda sabedoria dos velhos mestres que, a partir de Hermes Trismegistos, identificaram o átomo à mecânica celeste, dizendo que o que está em cima é semelhante ao que está embaixo. Não existe pequeno ou grande, superior ou inferior: existem almas por toda parte. "Essas águas são almas!" exclamou Mme. Guyon, vendo escoar as torrentes.
Longe de negar a realidade da alma, o homem que está assim voltado para o passado da terra, ao contrário, verá sua presença em toda parte. Ele toma múltiplas formas. Os símbolos das religiões são como faces variadas da alma do mundo. O paganismo nos forneceu uma boa parte delas. Da antiguidade pagã, ela ainda nos chega como o cheiro perturbador de terra molhada. 
Iremos rejeitar essas contribuições do paganismo em nome de Deus? Seria loucura, pois Deus justifica precisamente os antigos símbolos. Ele só se revela plenamente através desses símbolos. Como proclama  Baudelaire na frase que demos como epígrafe deste livro: "O paganismo e o cristianismo se comprovam mutuamente".
Antes dele, lançando um olhar profético na sequência dos tempos, Joseph de Maistre havia assegurado que um dia "será demonstrado que as tradições antigas são inteiramente verdadeiras; que o paganismo é somente um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que basta limpá-lo, por assim dizer, e recolocá-lo em seu devido lugar para ver brilhar todos os seus raios de luz". 
(Serões de São Petersburgo, décimo primeiro diálogo).
As cores nos forneceram, justamente, um método para proceder a essa limpeza indispensável e trabalhar pelo advento do dia luminoso previsto por Joseph de Maistre. No correr dessa operação, encontramos símbolos de um fino frescor e vimos que estiveram sempre vivos, pois os símbolos criados pela Alma do Mundo vivem sempre entre nós e nos acompanham em cada um dos atos de nossa existência. As cores são sensações físicas. Mas também são símbolos.
E esses símbolos nos permitem esclarecer por dentro, com súbita iluminação, os fenómenos da vida. Os símbolos mostram que a razão não é o homem inteiro, e que para nos elevarmos ao espírito é necessário o treinamento que comportam. Os símbolos agem com eficácia sobre nós, mas não por intermédio da consciência. Se soubéssemos ler no fundo de nós mesmos, saberíamos antecipadamente tudo o que eles podem nos ensinar. Conheceríamos também todas as artes e ciências. 
Porém, temos olhos mas não vemos; temos ouvidos mas não ouvimos. 
São as palavras evangélicas de um grande iniciado.

Extraído do livro A Linguagem das Cores, Editora Pensamento.
Fotos: meu atelier, por Fernanda Rodrigues, e Camille Luar aos dois anos.


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