O bezerro nasceu morto. Veio de ré, primeiro a cauda, quando o corpo vermelho e desajeitado caiu no capim, estava morto, lá ficou, o pescoço retorcido formando uma massa viscosa. Agrupados a sua volta, os homens sacudiam a cabeça em silêncio. A mulher do camponês, dono da vaca, suspirou e disse:
-É a vontade de Deus.
A vaca gemia, enlouquecida pela dor do parto. Então, laboriosamente fez um giro completo, os cascos penetrando na terra fofa sob o peso do corpo. Inclinou-se sobre o bezerro e gemeu, tornando a fareja-lo. Em seguida lambeu ternamente o corpo imóvel com sua língua áspera. A mulher afagou a pelagem crespa da cabeça da vaca com uma lágrima nos olhos, pois também era mãe. Mais uma vez dominada pela dor, a vaca afastou-se do bezerro e permaneceu de cabeça baixa, resfolegando ruidosamente. A respiração saia em longas colunas pálidas, como raios de sol através da janela de uma igreja na penumbra. Levaram-na para longe e ela se quedou cansada, a cabeça sobre a cerca, chicoteando incessantemente os flancos com a cauda. Agarraram o bezerro e o arrastaram pelas patas ao longo do campo até a cerca, atravessaram a cerca para um outro campo, cruzaram uma segunda cerca e subiram, então, uma colina coberta de relva que levava a beira do penhasco. De lá o atiraram em direção ao mar. A massa disforme ali ficou sobre as rochas. reconstruiram cuidadosamente as aberturas nas cercas de pedra e voltaram a vaca. a mulher lhe ofereceu uma mistura de aveia quente, mas ela recusou. Agarrando-a rudemente derramaram-lhe a bebida garganta abaixo, usando um chifre de touro como funil. A vaca meio engoliu, meio cuspiu a bebida com a boca cerrada.
Voltaram então para casa, a mulher ainda se lamuriando pela morte do bezerro e pedindo perdão a Deus por suas queixas. O camponês ficou junto da vaca, vigiando-a até que caisse a placenta que enterrou debaixo de um monte de pedras. Fincando o salto da bota no chão, apanhou um punhado de terra escura e fez o sinal da cruz no lombo da vaca. Então também ele foi para casa. Durante muito tempo a vaca ficou encostada na cerca até diminuir a dor.
De repente virou-se e abaixou e sacudiu a cabeça. Deu uma corrida curta, os músculos das pernas rangendo como botas novas. Parou de novo, nada vendo a seu redor no campo. Começou então a mover-se desnorteada, passando a cabeça por cima da cerca, aqui e acolá, mugindo. Seu chamado não obteve resposta. Sua fúria aumentava cada vez mais a medida que o sentimento de perda se impunha a sua consciência. Os olhos tornaram-se rubros nas órbitas, e ferozes como os de um touro. Começou a farejar o chão, meio correndo, meio caminhando, tropeçando desajeitada entre os tufos de grama. Fora naquela pequena elevação que estivera deitada durante o trabalho de parto, a grama amassada e descorada pelo peso de seu corpo. Fora alí que dera à luz, o capim pisoteado por muitos pés e rasgado aqui e alí, deixando entrever a terra escura. Então farejou o lugar onde o bezerro estivera. Havia manchas úmidas na grama. Olhou ao redor enfurecida. Encostou o focinho no chão e começou a seguir a trilha por onde haviam arrastado o bezerro até a cerca. Ali parou e farejou por muito tempo, o cérebro parvo perguntando-se aonde levaria a trilha. Então, uma reação obtusa, pressionou o corpanzil contra a cerca. As pedras cortavam-lhe o peito, mas ela pressionou com mais força e a cerca caiu diante dela. Passou aos tropeções pela abertura onde cortou a coxa esquerda, próximo do úbere. sem ligar para a dor, continuou em frente, farejando a trilha e bufando. Moveu-se ainda mais rápido, levantando a cabeça a cada passo e mugindo, um mugido longo e plangente que terminava num crescendo feroz, como uma lufada de vento ao quebrar um ângulo, na segunda cerca parou novamente. De novo pressionou o corpo contra a cerca, que de novo, caiu diante dela. ao atravessar a abertura, ficou entalada, e, na luta para se libertar, cortou os dois lados aos longos dos flancos. O sangue escorreu em linhas tortas, colorindo a mancha branca no flanco esquerdo. Subiu numa corrida a colina coberta de relva, até o penhasco. Estremeceu e desviou-se num solavanco ao ver o mar e ouvir-lhe o ribombar distante lá embaixo - as ondas fervilhando sobre as rochas - e a garrulice lúgubre das aves marinhas. Farejou o ar, incerta. Avançou, então, vagarosa e trêmula, palmo a palmo. Quando alcançou o cume, onde a relva terminava em um cinturão de cascalho que descia até o declive de rocha bruta, retrocedeu e fez uma volta, mugindo desvairada. Tronou a subir, e plantando as patas cuidadosamente no cascalho, olhou para baixo. A trilha de seu bezerro terminava ali. Não havia como segui-la adiante. Perdia-se no vazio além daquela saliência de cascalho. Tentou farejar o ar; mas nada chegava as suas narinas, além do cheiro do mar. Gemeu e seus flancos se ergueram com a expiração brusca do ar. Então olhou para baixo; esticando o pescoço. Viu o corpo de seu bezerro sobre as rochas lá embaixo. Soltou um grito de alegria e retrocedeu rápida, em busca de um caminho para descer. De cima para baixo, no cume do rochedo, corria ela, farejando aqui e ali; olhando por sobre a borda do precipício, ajoelhando-se e olhando para baixo sem encontrar um caminho que levasse sobre o objeto sobre as rochas. Voltou de novo ao local onde o corpo fora lançado do abismo, as pernas traseiras entrechocando-se na corrida. Esticou-se e bateu com o casco dianteiro arranhando o cascalho e tentando descer, mas nada havia onde pudesse firmar as patas. apenas uma queda abrupta de trinta metros de rochedo e seu bezerro nas rochas lá embaixo. Fitou o bezerro durante longo tempo, aparvalhada, sem mover um músculo sequer. Então mugiu chamando o bezerro, mas não obteve resposta. Viu a água subindo com maré, circundando-o, mugiu novamente para avisá-lo. As ondas avançavam umas sobre as outras, num torvelinho ao redor do corpo. Mugiu mais uma vez, meneando a cabeça em desespero como se quisesse fustigar as ondas com os chifres. Então uma onda enorme elevou-se a grande altura, e, arrebatando o bezerro na crista, arrancou-o das rochas.
E a vaca, soltando um bramido precipitou-se abruptamente rochedo abaixo.
E a vaca, soltando um bramido precipitou-se abruptamente rochedo abaixo.
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